Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

O teatro que não é teatro

Espaço é utilizado para eventos religiosos e até competições escolares. Artistas cobram um tratamento de choque na ocupação do local

No palco do Teatro de Sobradinho, a religião tem presença garantida. Lá, sempre que pode, são realizados encontros a serviço de vários credos. "Como quase não temos verbas, essas comunidades religiosas acabam sendo grandes parceiras ao alugar o teatro", justifica Pereira Ramos, há oito meses administrador do espaço. Mas a situação já esteve pior. "Teve uma época em que o lugar estava tão abandonado que os mendigos tomaram conta do pedaço, chegaram até quebrar algumas coisas", lamenta.

Construído em 1985, com recursos vinculados aos governos local e federal, o local, aos poucos, foi ganhando cara de teatro. Tanto que todos na cidade conhecem o lugar como o "teatro". E teatro com cara de mãe, já que também abriga uma série de atividades escolares, como eventos esportivos para alunos das escolas públicas, aulas de música, uma feira de ciências e o Festival de Música Popular de Sobradinho, o Femup;s, que reúne artistas locais e de outros pontos da cidade. O período mais fértil do palco foi nos anos 1990, quando abrigou o projeto Temporadas Populares, que contou com a presença de artistas como Renato Texeira, Eduardo Dusek e Chico César.

Os recursos são poucos. "Grande parte das crianças que participa dessas atividades contribui com alguma coisa", comenta Cristina Barboza, professora de artes cênicas e visuais do teatro. "Mas quem não tiver condições de contribuir participa dos eventos do mesmo jeito", garante o administrador Pereira Ramos.

Outro problema é a falta de manutenção. Sem passar por nenhuma reforma desde sua criação, a sala sofre com a precariedade de equipamentos essenciais para o funcionamento de um espaço cultural. Os 300 assentos precisam de uma nova cara. "Os aparelhos de iluminação e som estão bastante deteriorados", lamenta Ramos, que participa de um tímido movimento de revitalização do Teatro de Sobradinho(1). "A gente se vira com ajuda de parceiros. A única coisa que pedimos é mais recursos para o teatro", pede.

A Administração da Regional de Ensino de Sobradinho contesta as críticas. Embora admita que os recursos destinados à manutenção do lugar seja insuficiente, vê exageros quanto ao estado crítico do lugar. "A Regional de Ensino tem uma verba e na medida do possível a gente vai mantendo. Não é uma verba generosa, mas o próprio espaço consegue se manter revertendo o que arrecada com os eventos em benefícios", rebate a assistente pedagógica da Regional de Ensino de Sobradinho, Ana Maria Araújo. "Talvez uma reforma geral, numa proporção maior, a secretaria não tenha condições de fazer. Mas o espaço está adequado para as atividades", garante.

Ocioso


A polêmica motivou o deputado distrital Raad Massouh (DEM) a entrar, em junho deste ano, em contato com o gabinete da Secretaria de Educação, solicitando a devolução do espaço à Secretaria de Cultura. Segundo ele, o lugar se encontra ocioso e deveria ser usado de forma mais eficaz. Opinião compartilhada em peso pela classe artística de Sobradinho. "Hoje, se a gente quiser apresentar um espetáculo lá tem que levar o equipamento de iluminação e som. Caso contrário, não se apresenta", lamenta a diretora de peças infantis Raquel Lima. "Acho que a Secretaria de Cultura administraria melhor o teatro, porque o espaço exige recursos maiores. A Secretaria de Educação não tem verba nem para as escolas?", ironiza a artista, que em 1988 encenou no palco do teatro a peça Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado.

Diretora do grupo de teatro Unidade Teatral Intensiva (U.T.I.), desde 2004 na ativa em Sobradinho, Vanessa Di Farias roga por tratamento de choque na programação do local. A medida beneficiaria a cena artística da cidade. "O espaço é bacana, é um privilégio dos artistas e da comunidade ter um teatro como esse. Mas precisa ser melhor aproveitado, utilizado para o fim que realmente foi criado", reclama. "Não vejo uma programação cultural regular. Hoje, infelizmente, ele é ocupado por muitos eventos esportivos e religiosos"


1 - Temporadas populares
O Teatro de Sobradinho foi criado em 1985 com verba dos governos local e federal. Na época, o espaço era vinculado às duas pastas, unidas nas secretarias de Educação e Cultura. Entre 1995 e 1999, o lugar foi agraciado com o projeto Temporadas Populares, com ingressos vendidos a R$ 3. Companhias teatrais do Rio de Janeiro também marcaram presença. O local serviu de palco para as primeiras apresentações na cidade da Cia. Os Melhores do Mundo.

O número
300
Total de cadeiras oferecidas pelo teatro

Ouça entrevista com a assistente pedagógica da Regional de Ensino de Sobradinho, Ana Maria Araújo.