postado em 31/08/2009 08:37
Uma conversa com o cineasta sul-africano Gavin Hood pode ir do drama à comédia, passando por momentos de tensão. Diretor de longas como Tsotsi ; Infância roubada, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2005, o drama político O suspeito (2007), e da superprodução X-Men origens: Wolverine, que já faturou US$ 360 milhões no mundo todo, o artista de 46 anos, nascido em Joanesburgo, conversou com o Correio durante uma acelerada passagem por Brasília, na tarde de sexta-feira, como convidado do projeto Back2Black.;Não consegui ver muito da cidade, mas me impressionei com a forma como ela foi construída, como um avião. Minha irmã e meu pai são arquitetos, eles ficarão felizes quando souberem que conheci a cidade;, afirmou. Espremido numa apertada agenda, ficou na capital apenas por cinco horas, onde participou de debate no Museu da República.
No caminho para o aeroporto, Hood comentou sobre Cidade de Deus, filmes de entretenimento e Barack Obama. Só adotou um tom ríspido quando questionado sobre o poder de influência da indústria norte-americana. ;É um assunto que me tira do sério. Há jovens diretores que adoram ficar se lamentando sobre as dificuldades do mercado. Mas quem decide sobre o sucesso de uma produção independente é o público, sempre. Hollywood é só um nome numa montanha, atacou.
Garras afiadas
O que atraiu o cineasta de Tsotsi ; Infância roubada a dirigir um filme de ação como Wolverine?
Minha tentativa era encontrar o equilíbrio entre o entretenimento e uma forma de mudar um pouco a forma como o público vê o mundo. Quando você participa de uma produção como Wolverine, que custou US$ 150 milhões, é obrigatório atingir uma plateia ampla. Infelizmente, a maior parte das pessoas não dá a menor importância para a mensagem ; quer ação, violência e efeitos visuais. Quer se divertir. Mas a franquia X-Men é maravilhosa por oferecer tudo isso e, ao mesmo tempo, falar de temas como o preconceito. E de uma forma não tão óbvia quanto encontramos em filmes abertamente políticos. Wolverine é um personagem que questiona a própria tendência à agressividade.
Você repetiria a experiência?
Não estou certo se faria novamente. Honestamente, achei muito difícil caminhar nessa linha tênue entre o espetáculo e o desenvolvimento de um personagem. Não consegui explorar muitas das minhas ideias para o projeto. Se aprendi muito? Sim. Do ponto de vista técnico, sem dúvida.
Mas o perfil ambíguo do personagem agradou?
Sim, gostei da dualidade do herói. O filme mira um público que vai dos 11 anos aos 21. Não tem sangue, é uma fantasia. Mas, ao mesmo tempo, prefiro que este público se identifique com um personagem que questiona a própria natureza. Wolverine existe em oposição aos heróis que são simplesmente bons. A batalha do bem contra o mal é chata. O que me interessa é a batalha interna, o questionamento íntimo.
É possível fazer filmes políticos em Hollywood?
Não é fácil. Foi muito complicado financiar O suspeito, que foi feito com um grande estúdio (New Line Cinema). Ele não é tão popular quanto Wolverine, mas tenho orgulho dele. Ele levantou o tema da tortura durante o governo Bush. Eu queria fazer com que as pessoas se sentissem desconfortáveis emocionalmente. Colocar uma face humana no tema. O cinema, para mim, é uma forma de provocar uma conexão emocional com as pessoas.
Qual foi o efeito do Oscar de Tsotsi para o cinema da África do Sul?
Certamente ajudou, mas ainda é difícil fazer filmes. Temos uma população pequena que pode pagar ingressos de cinema. É uma grande batalha fazer filmes no país. Por isso é tão empolgante ver a performance de filmes como Cidade de Deus, que rodam o mundo. Quando eu era criança, via muitos filmes americanos, mas nenhum sul-africano. Vi o primeiro filme sul-africano aos 12 anos. Lembro que foi estranhíssimo. Uma revelação para mim. Pensei: ok, então posso contar histórias sobre meu próprio país.
Para o cinema sul-africano, mirar o mercado internacional é uma obrigação?
Na África, se gasta muito dinheiro até para fazer filmes muito pequenos, e não conseguimos pagar os custos de produção no mercado interno. Produzimos cerca de seis filmes por ano, mas a maior parte não é boa para lançamento internacional. É simples: temos que fazer filmes melhores, com histórias boas e originais. Faltam bons roteiristas e diretores.
Mas são raros os filmes independentes que são distribuídos no mercado internacional;
A razão por que vários filmes não são distribuídos é uma só: o público não gostou deles. Não devemos culpar Hollywood. Temos que nos questionar como artistas: se tenho algo a dizer, como faço para que o público goste do filme? Nesse ponto, a disputa entre filmes independentes é totalmente democrática. Se ele fizer sucesso em festivais internacionais, vai se dar bem. Hollywood é uma prostituta ; vai divulgar o filme que faz dinheiro, que agrada. É o caso de Tsotsi, de Quem quer ser um milionário?, de Cidade de Deus. O importante é criar algo original, muito bem feito, que se destaque acima do ruído do mercado. É preciso encarar a realidade: a competição é feroz.
Ao contrário de Cidade de Deus, em Tsotsi você escolheu trabalhar com um elenco quase totalmente de atores profissionais. Por quê?
Foi a forma que encontrei para explorar as emoções profundas do filme. Quando procurei pessoas na rua para participar do filme, encontrei atores ruins. Então procurei atores muito bons e fiz com que eles convivessem por um tempo com as pessoas das ruas. Cidade de Deus e Tsotsi são filmes rodados em favelas, são filmes de gângster. Mas Cidade de Deus é um filme-painel filmado de forma caótica sobre crianças fora de controle. Tsotsi é sobre uma pessoa, e a câmera vai direto à alma dele. O ponto principal é: quando você quer contar uma história, tem que encontrar seres humanos capazes de transmitir a emoção necessária.
A vitória de Barack Obama é uma esperança real de mudanças para a África do Sul?
A realidade do mundo melhorou muito. George W. Bush não é mais presidente. Temos alguém com cérebro na Casa Branca. Bush era um completo idiota, perigosíssimo para o mundo. Obama tem questões mundiais para cuidar. Acredito que a África do Sul terá que resolver seus próprios problemas.