;Somos estrangeiras e viemos do centro;, disse a cigana segurando uma gaiola vazia. O menino da cidadezinha de interior retrucou: ;Cadê o passarinho?;. Ela sugeriu que quem tem olhar mágico e fechar os olhos o enxergaria. Ele, de pronto, ;viu;. ;Mas se abrir ele vai embora;, lamentou o menino. ;A gente só perde o que nunca foi nosso;, finalizou ela. O garoto se encantou e a conversa se prolongou. Na rua do lado, uma vizinha se aproximou da caixeira viajante e, na conversa, contou causos da rua das fofoqueiras da cidade. Perto da igreja, a curandeira vagava quando um morador puxou papo e falou histórias de pescador.
As três mulheres misteriosas são personagens criadas pelas amigas e atrizes brasilienses, Lucianna Mauren (a cigana), Camila Guerra (curandeira) e Maicyra Leão (caixeira), que decidiram viajar pelas cidadelas de Goiás ao redor da capital federal.
;Um dia, disse a elas que queria conhecer esses lugares. Brasília está dentro de Goiás, mas está fora porque a realidade é outra. Então, queria levar algo para as pessoas de lá. Desenvolver arte nessas cidades. Eu tinha uma ideia romântica;, conta Lucianna.
[SAIBAMAIS]As atrizes se inscreveram e ganharam o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2008 e, com R$ 80 mil, colocaram na estrada o Olhar forasteiro ; teatro sem esquinas na estrada, em julho, com um fotógrafo, cinegrafista e preparador corporal.
De cidade em cidade, elas vão às ruas caracterizadas, se aproximam dos moradores, ouvem histórias. O povo acreditava nos personagens. Mesmo depois que elas se identificavam como atrizes. ;As pessoas nunca pensaram se tratar de teatro. Alguns achavam que éramos assombração. Teve gente chamou a polícia. Tirando isso, eles realmente acreditavam que éramos cigana, curandeira e caixeira;, se diverte Lucianna.
Depois de dois dias interagindo com a comunidade, as três selecionavam as histórias mais intrigantes e, em uma noite, as transformavam em pequenas peças teatrais. No terceiro dia, saiam em cortejo chamando o povo. E apresentavam as cenas no palco. Os moradores, que nunca haviam visto aquilo, riam, choravam, aplaudiam. E elas seguiam viagem.
A peça
Em 33 dias, a tríade passou por oito cidades e, neste fim de semana chega a última, Planaltina(1). ;A ideia é de troca. O povo dá o material para o espetáculo. É o nosso olhar do centro da cidade sobre o interior. E nós devolvemos a eles com a peça;, continua Lucianna. Por isso, elas encenavam também criações com histórias de Brasília. ;Para que os moradores exercitassem o olhar forasteiro deles sobre a nossa capital;, justifica Lucianna.
As meninas documentaram tudo em foto e vídeo e em um blog. Para finalizar a primeira etapa, elas preparam um livro com DVD. ;O mais emocionante é que as pessoas são extremamente carentes, desempregadas, tristes. E nós três estávamos lindas, com figurino bonito, sorridentes. Elas se sentiam acolhidas, a vontade, me contavam intimidades, não só histórias da cidade. Virei conselheira. Mesmo com alguém filmando, depois de me apresentar como atriz, eles continuavam achando que eu era cigana;, se emociona Lucianna.
As atrizes esperam por mais emoção em Planaltina. ;A cidade está fazendo 150 anos o que tem tudo a ver com o projeto. Com essa ligação romântica e histórica. Mas quero continuar, rodar outros interiores do país;, acredita Lucianna.
ROTEIRO DE VIAGEM
O teatro itinerante passou pelas cidades goianas: Paraúna, Caiaponia, Serranópolis, Aloândia, Pontalina, Itajá, Cidade de Goiás e Goiânia
OLHAR FORASTEIRO - TEATRO SEM ESQUINAS
O cortejo da Curandeira, Cigana e Caixeira Viajante estará nas ruas de Planaltina sexta e sábado. No domingo, a apresentação, será às 16h, na Praça Coronel Salviano Monteiro (Pracinha do Museu)
1 - História
A cidade viu a passagem dos bandeirantes em busca de ouro, no século 18, e a chegada da Missão Cruls, em 1892, para demarcar a área da futura capital brasileira. Já foi conhecida como Mestre D;Armas e Altamir. Em 1917, recebeu o nome de Planaltina, diminutivo feminino da palavra Planalto.