postado em 11/09/2009 08:16
Às vésperas do Cirque du Soleil levantar a lona em Brasília e exibir "o virtuosismo do homem como a maior maravilha da terra", a companhia francesa Cirque Ailtail deixa uma lição preciosa aos espectadores brasilienses, que lotaram os quatro dias de apresentações na Sala Plínio Marcos do Complexo Cultural Funarte. A simplicidade e a poesia podem ser tão potentes em cena quanto a capacidade do artista em desafiar os limites do corpo. Ao contrário da dramaturgia da famosa trupe canadense, que exalta, aos holofotes, essa maestria dos circenses, a companhia francesa dilui essa qualidade nata dos artistas-atletas em espetáculo profundamente lírico. O resultado é uma apaixonante montagem, que merecia estender temporada na cidade.
Em cena, o quarteto de grandes qualidades entrelaça as virtudes técnicas com uma dramaturgia que toca em relações de poder e sedução. A pequena Kati Pikkarainer faz gato e sapato do gigante Victor Cathala, em cenas nas quais a acrobacia ganha contexto crítico. Numa marcação circular, referindo-se à geometria do picadeiro, os atores brincam numa linguagem de clown e recriam repertório de clássicos do circo. Um dos momentos mais belos é quando eles simulam o número dos cavalos. Kati brilha sobre as costas dos atores como se estivesse flutuando em equinos.
A música executada ao vivo, por vezes, em violoncelo, trompete, tuba, acordeão e baixo acústico, acentua a poética dos movimentos adquiridos nos números de malabares e nas acrobacias. O humor atravessa o espetáculo não só na construção de palhaços. Kati, sempre ela, protagoniza números hilários ao ser contorcida sobre o corpo enorme de Victor. Cai sobre a cabeça dele como se fosse uma argola jogada num pino e desce rodopiando até os pés. Numa construção emocionante, caminha e corre sobre as mãos dos atores e dos praticáveis em cena. São incontáveis os momentos inesquecíveis de La piste là. Quem viu saiu nas nuvens.
Crueldade argentina
La noche canta sus canciones, de Daniel Veronese, é uma das montagens mais cruéis vistas em palcos brasilienses. O texto do dramaturgo norueguês Jon Fosse e a direção do argentino Daniel Veronese põem o espectador mergulhado no mesmo sentimento de impotência do protagonista, atravessado por sentimentos devastadores como falta de ética e deslealdade de quem confiava. É possível sentir a angústia sugerida em cena. A construção naturalista dos atores é base para erguer essa identificação. Acossados pela plateia, que superlotou o Teatro Garagem, os intérpretes caminham por entre os espectadores como se não os enxergassem. Ao final, a sensação é de desolamento e da real possibilidade de vivenciar a qualquer instante a situação monstruosa, que move a dramaturgia de Fosse/Veronese.