Diversão e Arte

Com o espetáculo Mercadorias e futuro, o vocalista do Cordel do Fogo Encantado mostra que está com a cabeça transbordando de ideias

postado em 12/09/2009 10:29
O lirismo transcende o nome de José Paes de Lira. À frente da banda Cordel do Fogo Encantado, o artista pernambucano, que sempre marcou suas apresentações pelo carisma, não quis polemizar ao levar para outros palcos, no teatro, a batalha entre capitalismo e arte. Lirinha anda com a cabeça a transbordar de ideias, mas garante que reserva espaço para o novo. Sobre Mercadorias e futuro, destaque do Cena Contemporânea, na qual fica evidente o papel instigador, evita indicar caminhos para o fim do conflito implícito na venda do sublime ; diz mesmo não saber como. E garante que o artista vive bons tempos para a criação. Em Mercadorias e futuro, você critica a relação comercial da arte. O que fazer para não se vender? O espetáculo discute o valor das coisas. Meu objetivo não foi desenvolver uma moral ou criar um conceito sobre a venda da arte ser boa ou ruim. Há um conflito em vender o que não tem preço inerente ao artista contemporâneo. É necessário priorizar a integridade no fazer, ter corpo e mente dilatados na busca por uma linguagem poética e própria. O Cordel do Fogo Encantado sempre teve uma forte dramaturgia cênica. Ser ator é uma urgência? Teatro veio antes da música na minha vida, com a declamação de poemas. Vivia entre violeiros amigos da família, comecei a decorar poesia muito cedo. Já declamava aos 12 anos. Fiz teatro aos 16 e parei, mas quem faz teatro não esquece. A experiência é muito forte e o território, híbrido. Com o Cordel, pensamos em unir poesia e música, e assim pretendo trabalhar para o resto da minha vida. É mais difícil fazer teatro ou música? São ambientes muito diferentes. Antes de Mercadorias, achava que não, que arte, expressão, comunicação eram a mesma coisa. Agora sei que a diferença começa no camarim. Na musica, há festa, celebração em grande roda. No teatro, a concentração é importantíssima. Se você não aquece o físico, não consegue o resto. Estou bem apaixonado pelo teatro, tendo música como arte suprema, que concentra puro sentido. Qual o caminho para o diálogo entre as duas artes? Muitos trabalham no desenvolvimento da estética na hora da performance. Nos Estados Unidos, desenvolveram a união das artes, como agregar e dialogar entre elas. Gosto disso, a literatura me deu a sabedoria da união. A literatura pode tudo, tenho texto como base. A poesia abre espaço para o desenvolvimento da musicalidade. Então, acredito que a declamação seria o caminho natural para agregar texto e atuação corporal. Como você avalia o mercado da música pop brasileira? Eu sou um otimista. Vivemos um período muito interessante para a arte. Certas bandas fazem trabalho consistente com muita força e conquistam espaço. Claro que existe um universo subterrâneo com artistas que não conseguem vir à luz. É um problema mundial, Karl Marx disse que o capitalismo é um cemitério de talentos. Mas com a internet, veio outra possibilidade de propagação. A internet figura como uma das maiores ferramentas da música. Veja a programação do Cena Contemporânea no Crítica - Mercadorias e futuros Pessoal e intransferível S;rgio Maggio O valor imaterial da arte e a sua transformação numa mercadoria vendida com todos os requintes do marketing capitalista dá um falatório danado. Lirinha percebe essa profunda contradição, anunciada historicamente por Karl Marx, e dispara o verbo falado, cantado, declamado, sussurrado (como ele mesmo gosta de enumerar). Pede para o público pôr o preço no livro de uma vida. Há um silêncio incômodo na plateia, que lotou, quarta e quinta, a Sala Martins Pena. Inteligentemente, ninguém se atreve. Como um vendedor de feira, passa a apregoar o declínio dessa sociedade de consumo, apropriando-se de todos os elementos que estão a serviço da sedução e do fascínio desse mundo cheio de vitrines e canais polishops. De forte cunho político, Mercadorias e futuro é encenação de conteúdo, que flerta com o sentido revolucionário do artista sujeito às regras do sistema. Lirinha, o cantor popular, insere-se nessa dicotomia, estabelecendo o limite do que pode ou não ser comercializado. Nessa contradição, ele estabelece a sua coerência: o sonho, a poética do céu iluminado, o dom, a sensibilidade e o lúdico, por exemplo, não têm preço. Se tirados de sua expressão, ele morre como criador. Fica oco e vazio, como alguns produtos artísticos oferecidos como joias, mas não passam de falsos rubis . Dono de carisma e poder de comunicação, Lirinha envolve o espetáculo num formato que flerta sobretudo com a performance, que absorve elementos do teatro, da música, da declamação, da tecnologia. Assim como nos trabalhos de Michel Melamed, a sensação, ao encerrar os 150 minutos de palavreado, é de que só ele poderia ter feito essa montagem dessa maneira. Mercadorias e futuro é pessoal e intransferível.

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