Diversão e Arte

Criar filmes e livros especialmente para telefones é uma tendência que está em alta

postado em 19/09/2009 08:22

O publicitário Gustavo Cochlar venceu concurso de vídeos para telefone: arte em construçãoO telefone celular de Gustavo Cochlar, 29 anos, é uma caixinha de surpresas. Às vezes, funciona, às vezes o deixa na mão. Há momentos em que, inexplicavelmente, o publicitário só consegue bater papo via mensagens de texto. Pode parecer curioso, portanto, que ele tenha recebido o prêmio de público num concurso de vídeos para celular, em 2008. ;O engraçado é que nunca tive um aparelho que rodasse vídeo. O meu é bem capenga;, afirma. Problemas técnicos à parte, Gustavo conquistou os internautas por outros motivos: o valor artístico. O curta Frestinha, produzido para um seminário de cinema do Instituto de Artes da UnB, brinca com a percepção do público ; toda a ação é observada por uma fresta estreita.

Para o espectador menos acostumado a novidades tecnológicas, a proposta pode provocar desconforto. A ideia de assistir a vídeos ou ler livros na telinha luminosa do telefone ainda provoca dores de cabeça em muita gente. Mas, aceleradamente, o celular começa a se transformar num rico espaço para a arte. Apesar da pouca intimidade com o aparelho, Gustavo ; que estuda no Instituto de Arte e também atua como DJ ; trata essa tendência com naturalidade. ;Como na pintura, você tem um quadro e precisa apresentar imagens de acordo com a capacidade de comunicação. Se a tela é pequena, buscamos uma composição pequena. É um caminho novo;, observa. Envolvido em pesquisas sobre artes digitais, ele tem projeto de um filme criado com celulares.

Em países como Japão e Estados Unidos, o mercado já acelera. No Brasil, as empresas de telefonia têm pressa para investigar um nicho e uma linguagem ainda em construção. O festival Vivo Arte.mov, pioneiro no ramo, é um exemplo do interesse provocado pelo ramo. Há quatro anos, desenvolve oficinas e mostras competitivas para refletir sobre as chamadas mídias móveis. Cochlar foi o único concorrente de Brasília a se destacar na mostra, que este ano será realizada entre os dias 12 e 15 de novembro, em Minas Gerais. ;Pela primeira vez, estamos diante de uma mídia que não tem horizonte. O celular não tem esquerda e direita, em cima e embaixo. A tela pode ser girada, por exemplo. Como aproveitar características como essas para a produção audiovisual?;, observa o curador e organizador Rodrigo Minelli.

O universo parece oferecer infinitas possibilidades. Um documentário produzido com microcâmeras de celular, por exemplo, pode flagrar depoimentos mais espontâneos e intimistas que os registrados por grandes lentes. Um curta-metragem transmitido via MMS (sistema de transmissão de mensagens multimídia que começa a ser desenvolvido nos Estados Unidos) pode ser visto por uma multidão. Até agora, no entanto, muitas dessas invenções ainda estão em fase de testes. ;Seria muito interessante se meu filme pudesse ser visto na fila do INSS, enquanto o espectador espera uma consulta médica. Ele coloca um fonezinho e vê;, afirma a cineasta Anna Karina de Carvalho, que finaliza o curta Angélica acorrentada.

Por três anos, Anna Karina desenvolveu oficinas do Vivo Arte.mov em Brasília. Na cidade, a produção de audiovisual para celulares ainda engatinha. ;Mas essa é uma realidade do Brasil inteiro. Alguns podem até ter o dom e aprender muito rapidamente. O formato valoriza filmes de entretenimento, simples, com uma trama direta. Ao mesmo tempo, alguns filmes mais caros e grandiosos vão perder um pouco;, pondera. Para Rodrigo, o formato exige um artista diferenciado, novo. ;Quem se sai bem nem sempre tem experiência em outras áreas, como cinema e publicidade. Os jovens são os que melhor se apropriam porque não estão viciados em determinadas formas de pensamento. Isso traz um frescor muito grande. O interessante é poder inventar uma linguagem;, nota.

; Torpedo de poesia

Um vídeo de poucos minutos via celular pode não irritar os olhos. Mas o que dizer de um romance criado exclusivamente para telefones móveis(1)? No Japão, a tecnologia virou moda. No Brasil, há concursos que exploram essa possibilidade de criação. Pelo segundo ano consecutivo, a Festa Literária de Porto de Galinhas (Fliporto) abre inscrições para contos ou poemas de até 160 caracteres. Ano passado, 320 pessoas concorreram ao prêmio de R$ 3 mil.

;É totalmente possível encontrar textos interessantes. São escritores jovens, não temos pretensão de atrair veteranos. Queremos motivar a literatura. Queremos que ela esteja em todos os lugares;, afirma Cláudia Cordeiro, coordenadora da Fliporto Digital. O time de jurados leva em conta o uso de recursos literários e o bom uso da língua portuguesa. ;Os erros ainda são frequentes. Acaba que, em primeiro plano, levamos em conta a correção do texto;, afirma.

Em 2008, o escritor pernambucano Marcelino Freire foi convidado para organizar um concurso de microcontos desenvolvido pelo Sesi em São Paulo. Diariamente, no período de um mês, 2 mil pessoas cadastradas recebiam os textos via torpedo de celular. ;É um texto conciso e que, por isso, se adequa bem às novas mídias;, comenta.

; Instantâneos poéticos

Vencedores da primeira edição do Prêmio Nacional de Literatura no Celular

Reencontrei o vento.
Renasceu do sol, límpido, sereno.
Passou pelo meu corpo e pensamento.
Varreu meu coração com amor.
Veio o arco-íris, levou embora a dor.
Malu Lima (Recife)

A poesia
Não é verdade a poesia
porque é bela.
A poesia é bela
porque é verdade.
Juareiz Correya (Recife)

Meu tempo valsa Chopin em ré bemol maior.
Sessenta aniversários e o presente da dor.
Mas um sol verde acende a alma: tempo de dançar com as estrelas.
Maria Nazaré de Carvalho Laroca (Juiz de Fora ; MG)

1 - Febre japonesa
No Japão, a literatura via telefone móvel já é um fenômeno popular. De acordo com a NTT DoCoMo, maior operadora de celulares no país, o mercado faturou o equivalente a US$ 82 milhões em 2007. O novo formato já tem até um best-seller: o barra-pesada Amor profundo, sobre uma prostituta adolescente em Tóquio, foi lançado em um site de conteúdo para celulares. O ;livro; de Yoshi fez tanto sucesso que ganhou adaptações para a tevê, revistas em quadrinhos e até mesmo para um livro, que vendeu 2,6 milhões de cópias. No país, o celular revela novos autores e seduz um público que quer ler sobre temas fortes (sexo e violência, principalmente) com a discrição de quem checa uma mensagem eletrônica.

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