Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Homicídio doloso e formação de quadrilha

O escritor gaúcho Lourenço Cazarré estabelece camaradagem com o leitor em livro adaptado de folhetim e em capítulos curtos

; Bernardo Scartezini

Histórias de crime podem se prestar para muitas coisas. O argentino Jorge Luis Borges partia delas para alongar-se sobre literatura & filosofia. O americano Chester Himes partia delas para apresentar a vida dos negros no gueto & falar do submundo do Harlem para além do noticiário policial.

O escritor Lourenço Cazarré também sujou suas mãos no sangue de uma inocente personagem. Mas o fez por amor à arte. À arte de uma história bem contada. A misteriosa morte de Miguela de Alcazar é um tributo leve e bem-humorado à literatura policial.

Cazarré pega o leitor como cúmplice logo nas primeiras páginas. Para tanto, usa de sarcasmo na sedutora voz de seu narrador. Estabelece camaradagem quando tu ainda nem imaginas sua real intenção. Principalmente se o incauto aventureiro também for morador de Brasília. Pois o narrador de Cazarré ; ah, coincidência ; é um gaúcho que mora na capital federal e trabalha como repórter.

Miguela de Alcazar, como trama policial, é uma grande farsa. Mas o leitor não pode dizer que não foi avisado. ;Acreditamos, desde a primeira linha, que esta obra destina-se a um leitor requintado, conhecedor dos clássicos da literatura policial;, estabelece o narrador em seu primeiro capítulo, à guisa de introdução.

A morte de Miguela de Alcazar foi crime premeditado. E o autor do assassinato, que não é outro além de Lourenço Cazarré, mais tarde haverá de tentar atribuir seu ato também a terceiros. Nosso narrador-herói cínico e quebrado, Campestre de Campos Campelo, acorda cedo e vai trabalhar de barriga vazia. Assume o volante de seu fusquinha e toma o rumo da redação do jornal. Durante o trajeto, testemunha um acidente na rodoviária entre dois ônibus lotados.

Chegando à redação, Campestre bate ligeiro a matéria sobre o acidente e, bem quando imaginava que podia folgar um bocadinho, seu editor o chama para uma pauta especial. Em tom de conspiração, o chefe conta baixinho que está havendo uma sigilosa reunião de escritores de livros policiais no Brasília Palace Hotel, aquele que pegou fogo e foi implodido, mas que aqui ainda está de pé, a história se passa no final dos anos 1970. Nas horas seguintes, um crime será descoberto e desvendado. O bravo repórter então se lança a elucidar a misteriosa morte de Miguela.

Lourenço Cazarré, 56 anos, é um sujeito escolado em enredos policiais. Já roçou o gênero em livros anteriores e este Miguela de Alcazar é, na verdade, a reestruturação de um folhetim que ele escreveu para o Correio na década de 1990.

O livro mantém a estrutura original com seus capítulos curtos, puxados por títulos espirituosos e sempre deixando ganchos no ar, calculadas doses de mistério para o capítulo seguinte. Esse engenho de Cazarré faz seu livro fluir num contínuo de diversão, um livro para ser lido numa tarde de sossego.

Cazarré, sabemos, é escritor premiado no universo infanto-juvenil (entre outros, o prêmio Jabuti por Nadando contra a morte em 1998) e se este Miguela de Alcazar não se apresenta como juvenil, certamente causaria boa impressão entre a rapaziada ; principalmente para as aulas de literatura, que podem ser oportunidades perdidas de se formar novos leitores.

A MISTERIOSA MORTE DE MIGUELA DE ALCAZAR
De Lourenço Cazarré. Editora Bertrand Brasil. 176 páginas. Preço: R$ 29,00.