Nahima Maciel
postado em 28/09/2009 20:13
ma avenida comprida e com pista dupla divide o Arapoanga em dois. A rua tem nome oficial, mas ninguém sabe direito qual é. Quem passa por ali costuma estar avisado de que vai transitar na %u201Cágua de côco%u201D. Uma hidráulica e uma barraca levam o nome da fruta e são os pontos de referência na cidade. Era natural, portanto, que Roseli Batista, 23 anos, Alessandro Caleja, 22, e Cácio da Silva Barbosa, 19, pensassem na longa avenida quando os três integrantes do coletivo espanhol Basurama pediram que desenhassem símbolos típicos do Arapoanga. E lá se foram os desenhos da avenida e de um conjunto de côcos com canudos estampar os cartazes com os dizeres Bem-vindos ao Arapoangas: É Brasília. Arapoangas com %u201Cs%u201D mesmo.
As peças coladas por toda a cidade, em pontos de ônibus, postes de iluminação pública e muros são fruto de uma série de seis oficinas de arte oferecidas pelo Instituto Cervantes em parceria com o programa Protejo (Ministério da Justiça) e a Central Única de Favelas (Cufa) e destinadas a recuperar a auto-estima e a identidade de jovens moradores de áreas de risco.
Durante os últimos 10 dias, Miguel Rodriguez, Angela Huete e Pablo Rey Mazón se juntaram aos jovens do Arapoanga, Estrutural e Itapoã para ensinar técnicas de stencil e imprimir em cartazes desenhos com símbolos de suas cidades. O resultado está espalhado pelos locais de circulação pública e rendeu aos jovens uma tarde agitada com baldes de cola e rolinhos de pintura. %u201CTem muita gente que não sabe o que é o Arapoanga. A gente quer mostrar a cidade e defender, porque ela é muito criticada. Já foi muito ruim, mas hoje está melhor%u201D, acredita Caleja.
Além da avenida, Roseli também desenhou um planeta Terra rodeado por figuras de mãos dadas, uma representação do que gostaria para a cidade onde mora há sete anos. %u201CSe houvesse mais união aqui não seria assim%u201D, diz a moça, que deixou a filha de quatro anos em casa para aprender stencil. %u201CO mais interessante nessa técnica é que quanto menor o tempo para desenhar, melhor você desenha.%u201D
Os desenhos de garis surgidos do stencil de Jair Moreira Santos, 15, retratam a inquietação do adolescente pelas atividades básicas na manutenção do funcionamento de uma sociedade. Não foi, no entanto, o interesse artístico que tirou Jair da cama na semana passada. Apesar da dor de garganta que o impede de ir à aula, o adolescente não podia perder a oportunidade de conhecer os espanhóis do Basurama. Jair sonha em estudar relações internacionais e é apaixonado pela língua espanhola. %u201CParece até que melhorei durante as oficinas%u201D, brinca. %u201CJá tinha ouvido falar americano, mas espanhóis, nunca.%u201D
Miguel Rodriguez, cujo apelido Mister divertiu os alunos, vive a experiência de Jair no sentido inverso. Formado em arquitetura, o espanhol não conhecia Brasília até o início de setembro. Desembarcou na capital no mês que deveria finalizar o período de seca, mas nem se tocou para o clima. Sobre a cidade moderna e utópica, já havia investido boa dose de leituras. Queria agora ver de perto. Só que desejava algo além dos monumentos e do traçado urbano tão estudados ao longo da vida de estudante e profissional. E acabou para lá dos limites das asas do Plano Piloto, ao lado dos jovens do Itapoã, Arapoanga e Estrutural. %u201CA imagem que se projeta de Brasília é utópica, mítica. A realidade é que a cidade real funciona de outro jeito com as satélites%u201D, repara. %u201CSem a Estrutural ou o Arapoanga, a cidade não funcionaria.%u201D
Estímulo
No total, 60 jovens participaram das oficinas. O trabalho consistia em estimular os alunos a identificar símbolos físicos de suas cidades e reproduzi-los nos cartazes.
Arte no lixo
O Basurama nasceu há 9 anos na Universidade de Arquitetura de Madri. Formado por sete arquitetos, tem como objetivo estudar a produção de lixo na sociedade de consumo e criar projetos a partir dos resíduos. Miguel Rodriguez defende que o lixo diz muito sobre uma sociedade, um bairro ou um grupo de pessoas. O Basurama já tocou projetos pelo mundo inteiro e, a cada nova viagem ou exposição, o coletivo vasculha o lixo do local para dele retirar o material a ser utilizado nos trabalhos.
Nas três cidades de Brasília, o grupo não explorou propriamente o lixo e preferiu trabalhar com ideias mais políticas e pontuais. O tempo curto %u2014 foram dois dias para cada oficina %u2014 impediu uma pesquisa profunda. %u201CQueríamos fazer um trabalho mais político e não somente uma oficina gráfica%u201D, explica Rodriguez. %u201CA ideia era falar de Brasília em comparação com as cidades satélites. Para nós era fundamental mostrar aos meninos que a cidade é importante na formação de suas identidades e para isso queríamos utilizar as iconografias. A satélite não tem muitos ícones porque ela se constrói de forma natural.%u201D
%u201CAqui tivemos uma possibilidade que não teríamos de outra maneira, como conversar com esses meninos, saber o que pensam e precisam e o que acham que a cidade necessita%u201D, completa Pablo Rey Mazón. Junto com Angela, ele ficou responsável pelo documentário que mescla cenas do Plano Piloto com o trabalho nas oficinas. O vídeo mostrado no Instituto Cervantes no último sábado também deverá estar disponível no site do grupo (www.basurama. org) nas próximas semana.