Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Cenas macabras

Retrospectiva sobre produções de horror realizadas no Brasil traz raridades e obras inéditas no circuito, como O maníaco do parque

O cinema brasileiro tem uma dívida incalculável com o pesquisador paulista Eugênio Puppo, responsável por resgatar importantes gêneros da nossa cinematografia com a realização de encontros polivalentes, a exemplo de Cinema Marginal Brasileiro;Nelson Rodrigues e o Cinema; Ozualdo R. Candeias ; 80 anos; e José Mojica Marins ; Retrospectiva da Obra 50 anos; esse último, debruçando-se sobre a trajetória do nosso mais famoso personagem de terror, Zé do Caixão. Antes mesmo que algum representante da classe esboce qualquer movimento de reconhecimento, o próprio Eugênio saca primeiro a arma do coldre e dispara mais uma novidade no mercado: a mostra Horror no Cinema Brasileiro, cuja abertura oficial é hoje, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

Em cartaz até 18 de outubro, o evento, realizado em parceria com a Cinemateca Brasileira e Banco do Brasil, segue depois para as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. ;Nunca houve no Brasil uma mostra tão importante para quem gosta do gênero horror/terror;, diz Puppo, curador e coordenador do projeto. ;O projeto dá uma contribuição à categoria tão maltratada e pouco valorizada no nosso cinema. O gênero ganha uma importância a partir desse trabalho;, acredita.

Ao todo, são 25 títulos compreendidos num período de 70 anos. Desse montante, pelo menos 20 trabalhos recebem sem problema o carimbo de obras raras. Puppo explica, num texto publicado no luxuoso livro-catálogo da mostra, que mais de 200 produções(1) passaram pela seleção, num trabalho que contou com ajuda do também pesquisador Carlos Primati e de Laura Cánepa (doutora da Unicamp e defensora de tese intitulada Medo de quê? Uma história do horror nos filmes brasileiros).

;Na seleção, identificamos 144 títulos que dialogam diretamente com o gênero. Poderíamos ter exibidos todos, mas foi preciso fazer um recorte. A mostra não foca só nos clássicos do horror. Há filmes que nunca foram pensados sobre essa ótica;, observa o curador, que depois de se envolver por cinco anos na pesquisa em torno do cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão, sentiu-se motivado a montar retrospectiva só com produções brasileiras de horror. ;Foi nessa pesquisa sobre a trajetória do Mojica que ampliei consideravelmente as informações relacionadas ao universo do horror em nosso cinema;, conta.

Entrevista com Eugênio Puppo, curador e coordenador da mostra "Horror no Cinema Brasileiro"

Fazem parte da mostra obras como as seminais O jovem tataravô, produção de 1936 realizada no mítico estúdio carioca Cinédia; e Fantasma por acaso, comédia de 1946 protagonizada pelos astros da Atlântida, Oscarito e Grande Otelo. Homenageados no encontro, Ivan Cardoso (o mestre do terrir) e José Mojica Marins trazem clássicos(2) do gêneros, como O segredo da múmia (1982), As setes vampiras (1986) e a trilogia: À meia-noite levarei sua alma (1963), Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967) e Encarnação do demônio (2008). ;É a primeira vez que a trilogia, pensada nos anos 1960 por Mojica, será exibida num evento;, festeja Puppo.

Os destaques ficam por conta de obras raríssimas como o inédito no Brasil Ritual macabro (The ritual of death), filme de Fauzi Mansur (cineasta da Boca do Lixo), além de produções contemporâneas(3) como Mangue negro (2008), de Rodrigo Aragão, e O maníaco do parque (2002 ; 2009), que tem pré-estreia nacional dentro do evento. Produzida pela Heco Produções, a obra, que deve entrar em circuito nacional em 2010, é cinebiografia dirigida por Alex Prado (cineasta da ;Boca;) e conta a história de Francisco de Assis Pereira, o motoqueiro psicopata que confessou o assassinato de 11 mulheres no Parque do Estado de São Paulo, em fins dos anos 1990. A produção será exibida no segundo domingo da mostra. ;O diretor pegou depoimento da família das vítimas e fez reconstituição dos crimes. É uma produção que vai criar muita polêmica, causar um certo desconforto, náuseas nas pessoas, não é uma sessão para qualquer um;, avisa Puppo.

1 - Preciosidade
Preparados especialmente como suporte das mostras, os luxuosos catálogos são verdadeiros artigos para colecionadores. Recheado com fotos raríssimas, cartazes de filmes e extenso material de pesquisa, o material traz ainda resenhas críticas de todos os filmes envolvidos no projeto, escritos por especialistas no assunto.

2 - Pitada brasileira
Subdivisão do gênero terror, a ideia do terrir veio da proposta de realizar filmes de horror com o objetivo de fazer rir, daí o termo, cunhado pelo cineasta brasileiro Ivan Cardoso, um dos principais expoentes da categoria. A mostra Horror no Cinema Brasileiro traz dois títulos que se encaixam no termo, O segredo da múmia (1982) e As setes vampiras (1986).

3 - Templo criativo
Boca do Lixo é a região de São Paulo delimitada por ruas e avenidas Duque de Caxias, Timbiras, São João e Protestantes, que se notabilizou como o submundo do crime na cidade, nos anos 1960, e ponto de encontro de prostitutas e boemios. Foi lá também que se desenvolveu, na década de 1960 e 1970, importante polo de filmes populares resgatados em mostras retrospectivas realizadas pela Heco Produções.

Vinheta da mostra desenvolvida a partir de filme inacabado de José Mojica Marins

Medo de quê?


As obras-primas

Embora o foco da mostra seja a produção rara, alguns clássicos do gênero perfilam a programação e merecem ser prestigiados. É o caso dos ;terrir; O segredo da múmia (1982) e As setes vampiras (1986), ambos do mestre do gênero Ivan Cardoso, além da trilogia macabra À meia-noite levarei sua alma (1963), Esta noite encarnarei no teu cadáver (1967) e Encarnação do demônio (2008), projeto idealizado nos anos 1960 por José Mojica, em cima do personagem Zé do Caixão (foto), mas só finalizado no ano passado com Encarnação do demônio.

Terror e sexo
Três episódios realizados na Boca do Lixo dentro das antologias eróticas são destaque da programação. Produzidos no início da década de 1980, O pasteleiro (1981), de David Cardoso, O gafanhoto (1981), de John Doo, e Solo de violino (1983), Ody Fraga, apresentam elementos marcantes do cinema paulista daquela época como o estilo ousado e tom debochado. Promete ser uma das sessões mais concorridas da retrospectiva.

HORROR NO CINEMA BRASILEIRO

Mostra de 25 filmes brasileiros de terror. Hoje, às 16h30, O jovem tataravô (1936, 77min, não recomendado para menores de 14 anos), de Luiz de Barros; às 18h30, Fantasma por acaso (1946, 104min, não recomendado para menores de 14 anos), de Moacyr Fenelon; e às 20h30, Veneno (1952, 76min, não recomendado para menores de 16 anos), de Gianni Pons, no Centro Cultural Banco do Brasil (Setor de Clubes Sul, Tc. 2; 3310-7087). Ingressos: R$ 4 e R$ 2 (meia).