Diversão e Arte

Mercado cinematográfico abre espaço para o trabalho de dublês

postado em 02/10/2009 09:09
Zé Ricardo cumpre as tarefas com profissionalismoEram aproximadamente 16h de domingo quando Alexandre da Silva e Igor de Sousa viram uma agitação estranha em frente ao edifício onde trabalham, no Setor Comercial Norte. Curiosos, se reuniram à multidão de aproximadamente 100 pessoas e, sem entender o que estava para acontecer, esperaram. ;Como é? Aquele carro vai cair da plataforma superior para o Eixão?;, questionou Igor, com espanto, ao ser informado. Logo tirou o telefone celular do bolso. ;Essa eu vou até filmar;, completou. Sem saber, os dois assistiam à filmagem de uma perigosa cena do longa-metragem Ratão, rodado nas ruas de Brasília sob a direção do cineasta Santiago Dellape. Dentro do Opala 1988 preto, o dublê José Ricardo Matos, 36 anos, vivia na pele uma perseguição entre máfia chinesa e polícia local. O filme, uma comédia de aventura, se transformou em suspense quando o carro despencou de oito metros de altura e fincou a dianteira no gramado lateral da pista. Do carro, de capô destruído, muita terra, poeira e peças destroçadas, saiu o dublê que, ileso, acenou para os aplausos do público ocasional. Há 15 anos, Zé Ricardo abriu um negócio literalmente arriscado. ;Sempre tive espírito aventureiro e a vontade de trabalhar com adrenalina. Com a prática de derrapagens em carro e competições de velocidade, comecei a dar cursos de direção avançada e fui convidado diversas vezes a fazer manobras arrojadas para comerciais de televisão. Daí para o cinema foi um pulo;, recorda. De acordo com o dublê, 95% das cenas perigosas rodadas na cidade, seja para comerciais, curta-metragens ou novelas, são feitas por ele. O treinamento, Zé Ricardo confessa, foi feito ao longo da adolescência nas ruas de Brasília. Ainda garoto, aos 12 anos, comprou sua primeira mobilete escondido dos pais e começou a se aventurar. Na molecagem entre os amigos da 312 Norte, aos 18 anos, desafiava os limites da ficção. ;A gente via muito filme de ação e eu avaliava as produções muito mal. Faltavam elementos reais nas perseguições e tiroteios, como outros carros e pessoas passeando pela rua. Esse tipo de filmagem ressalta o cuidado excessivo com a proteção dos atores, que é necessário, mas tira parte da magia. Vi que eu podia fazer melhor;, conta. Zé Ricardo repetia cenas do cinema protegendo-se como podia, com capacete de motoqueiro, luvas e roupas de proteç;o automobilísticas e extintores de incêndio para as emergências. Algumas gravações caseiras, feitas entre amigos, documentaram os perigos encarados sobre as rodas. Tudo, até então, de caráter amador. Em 2001, já trabalhando com aulas de direção e ministrando cursos para o Bope e Polícia Civil, Zé Ricardo foi convidado para seu primeiro grande trabalho como dublê profissional, na novela Estrela guia, da Rede Globo. A tomada em questão, um carro em alta velocidade na Esplanada dos Ministérios dirigido pelo transtornado personagem vivido por Rodrigo Santoro, abriu portas para o mercado. Hoje, o dublê participa, em média, de seis produções por ano. Mercado restrito Apesar do alto custo das cenas perigosas, que exigem parcerias com o Departamento de Trânsito, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros, seguro de vida e equipamentos de segurança, os roteiros desenvolvidos pelos cineastas de Brasília têm contemplado sequências desse tipo. A tendência exige o fortalecimento do incipiente mercado de dublês da cidade, restrito ao trabalho de José Ricardo Matos e, muitas vezes, de alguns amadores escalados por necessidade entre amigos dos produtores de cinema. Em seu segundo curta-metragem, filmado em junho de 2008, o diretor Bruno Torres também precisou lançar mão de pessoal qualificado. O filme A noite por testemunha, baseado no caso do crime contra o índio Galdino em 1997, recriou o incêndio criminoso na parada de ônibus. Escalado para a tarefa, Zé Ricardo precisava da colaboração de profissionais com conhecimento e coragem suficientes para elaborarem a cena(1) com baixo custo. ;Analisei as técnicas possveis e diminuí o valor do meu cachê para contratarmos uma equipe;, lembra o dublê. Além de um especialista químico, que desenvolveu um gel resfriador para o corpo, Zé Ricardo apelou para a colaboração de amigos. Apesar do receio, o publicitário Caíque Medina aceitou participar do filme. Fui responsabilizado por atiçar o fogo no corpo do Zé Ricardo. Eu tremia feito louco, apreensivo, mas confiava no trabalho do meu amigo, complementa. Na hora do aperto, Zé Ricardo já apelou para o amigo Hélio Fausto, conhecido por seu trabalho de dez anos como piloto de testes da Stock Car. Em um atropelamento para o longa-metragem Dez reais, de Rodrigo Sarti Werthein, Hélio assumiu o volante. ;Precisavam de alguém com habilidade de parar o carro no lugar certo e na hora certa. Aceitei por amizade, mas trabalho de dublê mesmo é só com ele;, declara. 1- Incêndio Para recriar o crime, o dublê se revestiu de três camadas de ataduras banhadas com gel resfriador a -3;C. Por cima, um macacão com resistência a fogo protegeu a pele do profissional. Para cena, com 16 segundos de duração, ele exigiu a instalação de uma piscina atrás do ponto de ônibus. Ratão

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