Diversão e Arte

Duo canadense revela o tédio e o desespero que se escondem sob as belas paisagens de Vancouver

postado em 02/10/2009 10:19
Aos olhos do mundo, Vancouver é uma cidade exemplar. Não é à toa que, todos os anos, ela é escolhida para abrigar grandes eventos internacionais. Em 2010, será sede das Olimpíadas de Inverno. Os estrangeiros se encantam com os cenários montanhosos e se impressionam com a altíssima qualidade de vida dos moradores. O turismo, aliás, é um dos setores que se destacam na economia local, sustentada pela pesca, pela agricultura e por um dos centros industriais mais modernos do país. O clima é temperado, apesar de invernos rigorosos que podem intimidar o visitante acostumado à fervura tropical. Apesar do detalhe, quem não gostaria de viver nesse pedaço de paraíso? Brian King e David Prowse: pós-punk agoniado, com ares de Hüsker Dü e Nirvana, para uma cidade vaziaO cartão-postal é deslumbrante. No entanto, antes de fazer as malas, recomenda-se que o viajante precavido ouça Post-nothing, o grande álbum de rock produzido este ano em Vancouver. Até nesse ramo a cidade dá um baile. De lá, saíram bandas talentosas como New Pornographers e Black Mountain. Mas não é da euforia do power pop nem do estrondo do hard rock que o Japandroids se alimenta. O duo noise formado pelo guitarrista Brian King e pelo baterista David Prowse canta uma cidade opaca, que não está nos panfletos de agências de viagem. ;Nós costumávamos sonhar. Agora nos preocupamos com a morte;, agonizam, na ótima Young hearts spark fire. Com melodias punk e filosofia ;faça você mesmo;, eles narram os dramas de jovens adultos perdidos num habitat confortável, mas tedioso. Qualquer semelhança com o rock produzido em Brasília no início dos anos 1980 é uma coincidência curiosa ; e não tão absurda. O concreto canadense racha nos versos da dupla, inspirados na rotina de gente comum. A relação que Brian e David mantêm com a cidade tem um pouco de amor e outro tanto de ódio. ;Está chovendo em Vancouver, mas estou pouco me f; Estou longe de casa agora;, cantam, com entusiasmo, em Sovereignty. Breve e descomplicado, com apenas oito faixas, Post-nothing soa quase sempre como uma carta de despedida. ;Vancouver é uma cidade bonita, mas há muito de frustrante nela;, afirmou David à revista Eye Weekly. ;As casas de shows fecham a todo momento. E sempre fica a impressão de que todas as boas bandas estão se mudando para outros lugares. Para quem faz rock, pode ser um lar cruel;, contou. Um oásis de progresso no meio do nada. Curiosamente, o Japandroids conseguiu cruzar a fronteira sem ter que fazer uma longa viagem na borda de montanhas. Depois de lançar dois compactos, eles resolveram divulgar Post-nothing de uma forma pouco convencional: apenas em vinil e via internet. O marketing fez efeito e chegou aos ouvidos da mídia independente norte-americana, que tratou o grupo como uma das maiores revelações do ano. Pouco depois, o selo Polyvinyl (que lança discos do Of Montreal) bancou o CD e o distribuiu internacionalmente. Hoje, eles estão quase sempre a muitos quilômetros de Vancouver. Os fãs começam a desconfiar de que o próximo disco não conterá o desespero real, sem polimento, que se ouve em Post-nothing ; algo próximo dos ruídos pop de mestres como Hüsker Dü e Nirvana. ;A vida continua dura. Que ninguém espere canções sobre casacos de pele e champanhe;, prometeu Brian. Se esse é o som do barulho que treme sobre a linda paisagem de Vancouver, o turista deve se preparar. Ainda assim, o guia do Japandroids não é de todo desiludido. ;Não queremos nos preocupar com a morte;, exigem, num dos momentos pungentes do CD. Soa como um pedido sincero. JAPANDROIDS Conheça a banda canadense no site www.myspace.com/japandroids. O duo lançou este ano o CD Post-nothing, pela Polyvinyl Records. ****

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