postado em 12/10/2009 11:12
Adriana Calcanhotto nunca ligou a mínima para chocolate. Também nunca deu bola para a Gatinha manhosa de Erasmo Carlos (embora amasse gatos e o Tremendão). Seus discos sempre foram feitos com tempo de sobra para ela conviver com todas as canções. Bom, pelo menos era assim até uns cinco meses atrás. Um belo dia, as músicas saltaram da lista que vivia engordando na gaveta e, juntas, foram dando o tom ao segundo disco da Partimpim, que ela nem sabia que tinha nas mãos. Vieram todas, uma por uma ; as que ela gostava de cantar, algumas versões, uma ou outra inédita. Até aquela que nunca havia entrado na lista, da tal gatinha que faz beicinho e chora baixinho.
;Nunca tinha visto uma canção se atirar assim;, ri Adriana. ;Gatinha manhosa atravessou o meu caminho, mesmo. Nunca tinha cantado, nem sabia a letra direito. Um dia ela me veio à cabeça e cantarolei durante três dias. Dé (Palmeira, baixista e coprodutor do álbum) me ensinou os acordes e fiquei tocando no violão. Para mim, era como uma música nova. Foi estranho porque, em geral, preciso me identificar com uma canção para poder interpretá-la. Esta pediu para ser gravada.; Tanto insistiu que ficou entre as 11 faixas gravadas e mixadas no ;inverno; carioca, no estúdio Toca do Bandido, onde Partimpim e sua turma consumiram ;toneladas, caminhões, cascatas;; de chocolate.
Dois, o CD que acaba de chegar às lojas, trouxe várias novidades para Adriana Calcanhotto. A começar pelo tempo em que foi produzido, curto demais para os padrões dela. O primeiro disco de sua cara-metade, a Partimpim, saiu em 2004, depois de 10 anos sendo lapidado. De lá para cá, a cantora foi aumentando sua lista de possibilidades (;é enorme, tem laudas e laudas;), mas não pensava em lançar outro álbum tão cedo. Ainda que crianças, adultos, velhinhos e adolescentes mandassem cartinhas e cartões pedindo mais um. Ainda que Dé Palmeira, o ;superparceiro; no projeto infantil, fizesse uma certa ;pressão positiva; para isso. ;Eu sempre dizia que não era possível. Em maio, fui olhar a lista, vi que ali havia um disco e liguei logo pro Dé: ;Vamos marcar?;;, ela conta.
Na toca
Após uma pequena pré-produção (;para pensar em andamentos, tons;), lá estavam cantora e banda no estúdio de Tom Capone, felizes da vida entre os instrumentos dele. ;A energia do Tom está ali, nas coisas dele, naquelas guitarras incríveis. Me senti muito bem na Toca do Bandido. Foi emocionante e muito importante estar naquela sala, inclusive para a timbragem do disco;, comenta ela, que também cometeu a ousadia de levar para lá 30 meninos e meninas para o coro. ;Foi um ato de loucura;, diverte-se. ;Imagine soltar 30 crianças num estúdio, um lugar que não se parece com nada, cheio de objetos lúdicos. Eles ficaram encantados, brincaram de tocar, se divertiram com tudo. Depois, dormimos dois dias.;
Os filhos dos amigos foram cantar e fazer bagunça em quatro faixas: Menina, menino, O homem deu nome a todos os animais, Bim bom e Alface. A primeira é uma música que ela fez para o bebê Luís (filho do empresário, uma das muitas crianças que adora ter por perto), com direito a sanfona de Waldonys, ;que voou de Fortaleza até a Toca; para falar do amor que começa quentinho e pode queimar. A segunda é a versão de Zé Ramalho para a canção de Bob Dylan (Man gave name to all the animals); a terceira, o velho sucesso de João Gilberto com sample de Olodum; e a quarta, a versão de Augusto de Campos para o poema do inglês Edward Lear (Alface! Ó alface! Faça-se, ó faça-se/ Ó alface, afinal,/ faça-se o nosso almoço, face a face/ Ó alface).
Adriana faz disco para crianças assim mesmo, sem ;endereçamento;. ;Faço do jeito que acho que a canção está pedindo, e me divertindo. Não tem essa coisa de segregar, isso não corresponde à realidade. Crianças ouvem o que os adultos ouvem.; Não à toa, pais e avós adoraram Partimpim quando ela apareceu, cinco anos atrás, fazendo música para criança que não era chata para adulto, cantando de Chico Buarque e Edu Lobo a Claudinho e Buchecha.
Agora, entraram também Caetano Veloso (Alexandre), Heitor Villa-Lobos e Ferreira Gullar (O trenzinho caipira), Davi Moraes e Arnaldo Antunes (Na massa), e até um poema de Vinicius de Moraes musicado por Cid Campos, As borboletas, gravado no jardim (ou melhor, na ;floresta;) de Partimpim e dedicado a Helena (irmã do Mano e filha de Marisa Monte). A única que Adriana fez especialmente para o disco (em parceria com Dé) foi a faixa de abertura, Baile Partimcundum. Outra dela, Ringtone do amor, foi escrita há dois anos como ringtone de celular mesmo (nem era para estar em CD, ;mas as crianças com suas cartinhas e cartões pediram...;)
Com frescor
Ela diz que eles ;deram o sangue; para entregar o disco na data combinada e ficaram felizes com o resultado. ;A gravadora perguntou se eu poderia aprontar para outubro. Como estava com a turnê de Maré, seria insanidade dizer sim. E eu disse;, revela a cantora, que aproveitou a experiência para registrar tudo de um jeito mais livre, espontâneo, com as sensações iniciais dos músicos, o primeiro contato deles com as canções. ;Isso trouxe frescor, o melhor lado de uma gravação demo, mas com todo o controle de qualidade, já que a gente estava na Toca, muito bem cercado.;
Enquanto corria contra o tempo, Adriana também deixava espaço para Partimpim entrar, brincando com os instrumentos de Capone, comendo chocolates (vá lá, era meio amargo), fazendo compras por aí. ;Ah, compro tintas, presentes, coisas que em geral adultos pedem para embalar e eu não (risos);, conta. Agora que já não tem show de Maré para fazer, a frequência está toda voltada para Partimpim ; e é com ela que deve seguir em turnê por todo o ano de 2010. Desenhando, colorindo, voando e lembrando o verso de João Cabral de Melo Neto que usou como epígrafe de Dois: ;O amor roeu minha infância de dedos sujos de tinta;. Por quê? Ah, porque Partimpim vive com os dedos sujos de tinta. E acha que ;ser roído pelo amor; é o que todo mundo quer, em qualquer idade.