Diversão e Arte

Depois da fase pop, Ney Matogrosso lança CD introspectivo

postado em 18/10/2009 08:00

Fazia tempo que Ney Matogrosso tinha vontade de gravar À distância, de Roberto e Erasmo. Pensava nisso desde o dia em que a ouviu num filme de Luchino Visconti, cantada em italiano(1) por uma mulher. ;Fiquei louco. Naquele momento, quando reconheci o que era, decidi que um dia gravaria;, ele conta. O tempo foi passando, a vontade continuava lá, mas o cantor não via oportunidade de encaixá-la em nenhum disco, achava que o repertório nunca era adequado para ela. A hora chegou com Beijo bandido, que começou como um CD de músicas românticas e terminou como um disco de canções.

Trigésimo terceiro álbum de Ney Matogrosso (levando em conta que o primeiro, de 1973, foi Secos & Molhados), Beijo bandido chega às lojas no ano em que o cantor ganhou o Prêmio Shell (pela ;atemporalidade e a forma como trabalha com diferentes estilos;, segundo Roberta Sá, uma das juradas) e, destemido, interpretou o Bandido da Luz Vermelha no filme Luz nas trevas, com roteiro de Rogério Sganzerla e direção de Helena Ignez e Ícaro Martins (a estreia está prevista para 2010). No ano passado, além de firmar sua veia mais pop com o CD Inclassificáveis, ele teve a obra relançada numa caixa, batizada de Camaleão, com 17 títulos (16 álbuns de 1975 a 1991, mais um de raridades).

Entre as 14 faixas do novo CD estão canções que Ney quis regravar porque não entraram no disco de raridades da caixa (Tango para Tereza, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim; De cigarro em cigarro, de Luiz Bonfá; e Fascinação, na versão de Armando Louzada), canções bem conhecidas que ele tinha vontade de interpretar (Bicho de sete cabeças, de Geraldo Azevedo; Medo de amar, de Vinicius de Moraes), músicas pop para quebrar a ;sisudez; do repertório (Nada por mim, de Herbert Vianna e Paula Toller), novas que ele gostou assim que ouviu (A cor do desejo, de Junior Almeida e Ricardo Guima).

Liberdade

Artista que sempre buscou a liberdade e a sinceridade no cantar, Ney não queria um ;conceito;, assim assado, nem a preocupação de gravar músicas inéditas. ;A cor do desejo entrou quando eu estava na reta final do disco. Fui fazer um show em Maceió, recebi um disco desse compositor (Junior Almeida), gostei da música, achei que tinha a ver com o repertório e, quando cheguei ao Rio, gravei;, detalha o cantor, que também já trazia há algum tempo a vontade de gravar Invento, de Vitor Ramil. Foi de um trecho dessa música, aliás, que ele tirou o título do CD (leva/ um beijo bandido/um verso perdido/um sonho refém).



Invento quase entrou em Inclassificáveis, o disco de 2008 em que um Ney expansivo e exuberante, acompanhado de uma banda de rock, cantava Cazuza, Arnaldo Antunes e Marcelo Camelo, entre outros. Beijo bandido faz o movimento oposto (de retração), já experimentado em projetos anteriores por ele, que adora variar. Mais sofisticado, num ambiente intimista, de recital, ele agora interpreta Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho (Doce de coco), Astor Piazzolla (As ilhas), Edu Lobo e Chico Buarque (A bela e a fera), Herivelto Martins (Segredo), acompanhado do piano de Leandro Braga (também responsável pelos arranjos e a direção musical do CD); do cello e do violão de Lui Coimbra; do violino e do bandolim de Ricardo Amado; da percussão de Felipe Roseno.

Cazuza entra mais uma vez no repertório, em Mulher sem razão, parceria dele com Bebel Gilberto e Dé Palmeira, sugerida por Lucinha Araújo, mãe do compositor. ;Há uns quatro anos, ela me mandou a música com um bilhetinho: ;Ney, essa é a sua cara;;, lembra. ;Não gravei na época. Adriana Calcanhotto gravou e fez tanto sucesso com ela que eu fiquei na dúvida se devia ou não colocar no disco. Como a novela (A favorita) acabaria e eu não queria que a música puxasse o disco, tocasse no rádio ; se bem que hoje em dia não faço ideia do que vai tocar ou não, cada um escolhe o que quer ;, acabei gravando, porque queria ter minha versão para ela.; E porque, assim como Nada por mim, dava uma cara um pouco mais pop a Beijo bandido.


1- Paixão instantânea
A música que Ney ouviu no filme de Luchino Visconti foi Testarda io (La mia solitudine), versão em italiano de Cristiano Malgioglio para a canção de Roberto e Erasmo, interpretada por Iva Zanicchi. O longa-metragem foi o penúltimo dirigido por Visconti, Violência e paixão(Gruppo di famiglia in un interno, de 1974), com Burt Lancaster e Silvana Mangano no elenco

O número

14
Faixas tem o CD Beijo bandido

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação