A dor e o sofrimento já produziram grandes canções, mas a felicidade também pode ser inspiradora. Que o diga Bebel Gilberto, que fez seu quarto disco em um momento de extrema alegria. De férias em Port Antonio, na Jamaica, ao lado do ;futuro marido;, o engenheiro de som Didiê Cunha, a cantora e compositora começou a esboçar o recém-lançado All in one. ;Foi incrível, a gente ficava no estúdio, mergulhava, fumava, aquele mar lindo, lindo, lindo;, conta ela, anunciando que os dois estão ;apaixonadíssimos;. E assegura: ;A felicidade é produtiva, sim. Ganha-se uma gordurinha extra, mas mesmo assim é ótimo;.
Ouça trecho da música "Canção de amor" com Bebel Gilberto
Para compartilhar esse momento de graça, Bebel chamou um monte de amigos músicos. Entre o Geejam, em Port Antonio, o Ilha dos Sapos, em Salvador, e outros três estúdios em Nova York (Kampo, Coruja e Flux), All in one passou por muitas mãos até se tornar o disco que é. A lista de produtores inclui Carlinhos Brown, Didi Gutman (da banda nova-iorquina Brazilian Girls), o brasileiro-californiano Mario Caldato, John King (Dust Brothers), Mark Ronson (que já trabalhou com Amy Winehouse e Lily Allen, entre outros) e Tom Brenneck (do grupo The Dap-Kings, que também acompanhou Winehouse).
;Sempre quis isso e só agora consegui. Foi uma loucura organizar tudo, mas o resultado foi ótimo. Esse é um grupo que tende a crescer;, prevê a filha de João Gilberto e Miúcha, que desta vez incluiu no repertório um clássico do pai, Bim bom. No dia da entrevista, Bebel não havia ainda tido um retorno de João sobre o que achou da recriação. ;Mandei o disco para ele, mas não quis saber por telefone. Só olhando no olhinho dele é que saberei se gostou mesmo ou não;, disse, então recém-chegada ao Rio para trabalhar a divulgação de All in one.
Além do standard bossa-novista, Bebel regravou Sun is shining, de Bob Marley, meio em inglês meio em português ; em versão feita por ela mesma ;, The real thing, de Stevie Wonder, e Chica chica boom chic, imortalizada na voz de Carmen Miranda em 1941. Completam o disco composições dela com diferentes parceiros e duas alheias, Nossa senhora (Brown e Paulo Levita) e Far from the sea (Robertinho Brant e Emerson) ; esta última um achado de Seu Jorge, que apresentou-a à amiga.
Ouça trecho da música "Sun is shining" com Bebel Gilberto
Com exceção de The real thing, que ganhou dos produtores Ronson e Brenneck um clima de suspense que lembra um tema de 007, All in one mantém aquela calma típica da música de Bebel Gilberto. Uma mansidão de beira-mar que pode soar estranha por vir de quem, como ela, mora em Nova York e tem, até o fim do ano, uma agenda que vai de Lisboa a Tel-Aviv. ;Tenho em casa uma varandinha, com um jardim, e toda vez que chego fico fascinada. Viajo muito mas tenho meu lugar para relaxar;, esclarece.
All in one é o primeiro disco de Bebel Gilberto pela histórica Verve Records, o que, para ela, faz uma significativa diferença. ;Traz uma carga grande, mas muito feliz. Nada disso estaria acontecendo se o pessoal da Verve não tivesse abraçado meu trabalho de forma tão linda. Essa é uma relação que tem tudo para se tornar longa e muito boa;, torce a tranquila e otimista Bebel, que reservou os meses de março a maio de 2010 para excursionar pelo Brasil com o show baseado em All in one.
Verve Records
Hoje pertencente à Universal Music, a gravadora norte-americana Verve Records foi fundada em 1956 por Norman Granz, tornando-se referência na história do jazz. De lá saíram discos de artistas como Charlie Parker, Count Basie, Duke Ellington, Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Anita O`Day, Nina Simone e os brasileiros Tom Jobim e Astrud Gilberto. Também foi a Verve que lançou o antológico Getz/Gilberto, álbum que marcou o encontro de João Gilberto e Stan Getz em 1964.
Crítica // All in one ***
Bossa própria
A expressão ;bossa eletrônica; se tornou antiga e limitada demais para definir a música de Bebel Gilberto. Ela já não é tão eletrônica assim e a bossa nova, com certeza, é uma referência forte, mas tem sido sobreposta por sucessivas e interessantes camadas. All in one é um passo adiante nesse sentido. Ao misturar boas composições próprias a músicas de Bob Marley, Stevie Wonder, Carmen Miranda e do pai, João Gilberto, Bebel realça o espírito cosmopolita que se pode esperar de alguém que tem um pé nas areias cariocas, vivência em Nova York e um ouvido cada vez mais familiarizado com os sons do mundo inteiro. Por isso tudo, All in one é um disco de amor ; como faz questão de ressaltar a própria Bebel ao definir seu momento ;, mas passa longe dos clichês românticos. O amor aqui está traduzido na tranquilidade e na alegria com que ela carrega as próprias canções e as leituras que faz, de Bob Marley ou de Carmen Miranda.