Severino Francisco
postado em 23/10/2009 09:12
A Editora Record tem uma máquina sofisticadíssima da marca Cameron. O seu processo de produção evoca a piada do português que enfia um burro na máquina e sai salsicha do outro lado. Na máquina Cameron, basta inserir o disquete para que ela produza 10 mil exemplares de livros em nove horas, com tudo pronto, incluindo a capa. Mas os livros da Confraria dos Bibliófilos seguem o trajeto inverso: é preciso nove meses para fazer 400 exemplares. O livro artesanal pode pressupor algo rudimentar, mas o seu processo de produção é complexo, envolvendo cinco lugares do Distrito Federal. Primeiro, é realizada a seleção dos textos, com a ajuda da família, dos detentores dos direitos e de especialistas. Em uma segunda etapa, vem a composição, em linotipia, na Cidade Ocidental. Todos os textos são digitados em um teclado estranho, que não se parece com os do computador e nem de máquina de escrever. ;A linha digitada sai vermelha como se fosse fogo e cai em um balde de chumbo!”, explica Salles.
Para fazer um livro do tamanho do das crõnicas de Rubem Braga, Salles precisa comprar uma tonelada de chumbo, em barras de 12 quilos. É necessário equilibrar 60% de chumbo com 40% de antimônio. Da última vez , ele teve de fazer um trabalho de detetive para descobrir um comerciante que fazia chumbo em São Paulo: ;O cara perguntou se eu era louco quando disse que queria uma tonelada de chumbo;.
Quando as linhas compõem uma página, esta é amarrada com um cordão e é tirada uma prova de prelo para Salles ler e conferir. Sempre encontra razoável quantidade de erros: ;É comum ocorrerem erros na hora de datilografar. Trata-se de um bico. É uma profissão que não dá mais camisa a ninguém. Estas coisas não estão mais em linha;.
Meia tonelada
Depois de terminar a composição, as matrizes de um livro do tamanho de 36 crônicas de Rubem Braga pesam meia tonelada. É preciso conseguir uma Kombi para transportar. A Kombi leva as matrizes ao Núcleo Bandeirante para a impressão em uma máquina tipográfica, adquirida pelo próprio Salles: ;Pôe uma matriz e puxa folha a folha. O nosso processo é rudimentar, imprime folha por folha, faz a dobra e a costura, que é semimanual. É como se fosse a Dona Maria costurando uma peça de roupa;.
A encardenação é manual, livro a livro. Ele sai com a lombada quadrada, mas é arredondada à marteladas, uma a uma. Em seguida, cola-se a capa, feita no Riacho Fundo, com fibra de bananeira e bagaço de cana, em tecnologia avançada, com controle de PH (acidez do papel). ;É feito para durar. Precisou de umas 100 bananeiras e umas 200 canas devidamente chupadas. É preciso misturar essas fibras e passar em uma calandra para que fique maleável;.
A próxima parada é Taguatinga para a confecção dos clichês das vinhetas que ilustram o livro. O profissional fotografa com uma máquina alemã e imprime com alumínio: ;Fico sofrendo, pensando na hora em que esse cara vender a máquina;. Quando produziu o livro do Dalton Trevisan, tudo foi feito com serigrafia e o Salles precisou alugar um prédio para instalar o profissional do ramo, o serígrafo, que confeccionou tudo folha a folha, resultando em quase 1 milhão de impressões. Dava para figurar no Livro dos Recordes.
É todo esse processo que torna os livros objetos únicos. Houve uma exposição de uma confraria de bibliófilos nos Estados Unidos e um livro ilustrado pelo gravurista pernambucano Samico custava 2 mil dólares: ;Quando eu disse que os nossos livros custavam 100 reais, a mulher levou um susto. Eles fazem tudo a laser. O José Mindlin, que é sócio da nossa confraria, me disse que ia abrir a confraria dele. Eu disse: sou o sócio número 1. Ele só fez um livro e precisou cobrar R$ 450 para empatar as despesas. Ele me perguntou como consigo fazer um livro ao preço de R$ 150. É porque ele contratou alguém para fazer. Aqui eu faço tudo, sou eu e eu. Isso faz a diferença no preço final;.
Preço de custo
A Confraria coordenada pelo Salles tem entre outros sócios o empresário José Mindlin, o ator Paulo Betti, o banqueiro Pedro Moreira Salles, o autor de novelas Manoel Carlos, o empresário Horácio Piva, mas também a Dona Terezinha, professora da rede pública de ensino do Piauí e o fazendeiro José Rossato, em Mato Grosso: ;Alguns confrades me dizem para aumentar o preço dos livros;, comenta Salles. ;Claro que tem gente que pode pagar mais. No entanto, existe também a Dona Terezinha, professora do ensino médio no Piauí, que não pode. Por isso, me viro e não aumento nada;.