Diversão e Arte

Confira a íntegra da entrevista com o escritor brasiliense Roger Mello

postado em 26/10/2009 10:19
Como foi que você chegou ao tema de Carvoeirinhos? Em 2001 , lancei o livro Meninos do mangue, sobre os catadores de caranguejo. O trabalho infantil já estava presente nesse livro, mas a ideia era escrever sobre a infância num ambiente (inusitado para muitas pessoas) onde as ida e vindas da maré são mais importante do que a diferença entre a noite e o dia. Onde o chão é feito de lama que se inunda, e as árvores espalham raízes pelos ares. Ali, o primeiro brinquedo dos meninos é mesmo o caranguejo. A epígrafe do livro é do sociólogo brasileiro Josué de Castro, que escreveu um livro fundamental: Geografia da fome. Então encontrei o poema de Manuel Bandeira: Meninos carvoeiros, de 1921, e comecei a lembrar que, na minha infância, quando viajávamos de carro, saindo de Brasília, víamos umas casas redondas que soltavam fumaça. "Não são casas, - meu pai dizia -[Video1] são fornos de fazer carvão." Nesse outra paisagem os meninos brincavam com o barro e faziam caminhões de madeira, assim surgiu o "Carvoeirinhos". Um universo tão complexo como o trabalho infantil exigiu de você pesquisa? Você foi ver de perto essa situação? A paisagem com os fornos, que vi nessas viagens, criava uma espécie de conto de fadas às avessas. Era uma paisagem quase de cabeca para baixo. Pesquisei muito e há milhares de dados alarmantes por todos os lados. A fumaça das queimadas cobre o céu de muitas cidades das Regiões Norte e Centro-Oeste. Importantíssimo também foi assistir ao excelente documentário de Marcos Prado: Os carvoeiros. A verdade é que o carvão vegetal alimenta a produção de um dos maiores produtos de exportação nacional: o aço. Estive em uma carvoaria no Pará, estado que, junto ao Mato Grosso, concentra a maior parte das carvoarias do Brasil. Em geral, os carvoeiros não falam muito, pois o trabalho infantil é proibido. Mas que ainda existe, existe. Qual o leitor que você busca quando está criando? [FOTO1]O primeiro leitor sou eu mesmo, meio louco né? Gosto de não saber aonde a história vai me levar. Por mais engraçado que pareça, a maneira de se respeitar a criatividade do leitor, é esquecer que ele vai ler. É fazer como se fosse só pra gente, ou pra uma criança que a gente conhece muito. O que vem primeiro: a escrita ou os desenhos? Em cada livro, é de um jeito. Nesse caso, a história chegou antes. Mas apesar de as ilustrações não estarem logo prontas, eu comecei a desenhar o marimbondo. Precisei entender o desenho das asas desse inseto, desenhar o barulho dessas asas. O marimbondo é o narrador da história, aliás, constuindo seu ninho redondo com barro molhado como são construídos os fornos que os meninos barreiam. Só que de cabeca pra baixo. Foi difícil passar do desenho para a escrita infantil? Aconteceu meio que naturalmente, talvez porque, além de um leitor de livros eu era um devorador de quadrinhos. O seu trabalho tem uma repercussão tanto no tema quanto na criação. Foi importante ser indicado ao Andersen? A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil é a representante do IBBY (international Bord on Books for Young People). Quando me falaram da indicação para o Hans Christian Andersen de Ilustração me senti premiado desde já. Afinal, a FNLIJ seleciona o que há de melhor em nossa produção editorial há 40 anos! e já indicaram grandes artistas como o Rui de Oliveira, Nelson Cruz e Marilda Castanha! Suas lembranças de menino ajudam a criar de forma tão poética? Acho que eu era o marimbondo vendo o mundo de cabeça pra baixo. Aprendi a ver a natureza com meu pai, passei a olhar para o cerrado como quem olha dentro. Também comecei a decifrar imagens vendo os grandes criadores de Brasília: Athos Bulcão, Niemeyer, Paulo Werneck, ah, e mais recentemente, o Jô de Oliveira, é claro! [SAIBAMAIS]Como está a sua produção? Quanto tempo leva pra criar um livro como este? Demoro uns 4 anos, entre escrever, fazer uma boneca (o nome do protótipo do livro), pensar na paleta das cores, entregar as artes, conversar muuuuito com o editor, contar com a ajuda do produtar gráfico na editora. Depende dele o resultado do livro. O resultado do livro depende muito também da amizade que a gente tem com o editor, de verdade. Como é sua relação hoje com Brasília? Você mora no Rio? Moro no Rio mas vou sempre a Brasília. Preciso da paisagem aberta do planalto pra me expandir, e vejo, com muito vigor, a força da cidade como um pólo cosmopolita de criação. Não só com sua própria força questionadora, mas como uma interface mundial com o que a arte tem de mais novo. Próximos projetos? Estou desenhando uma coleção chamadas Três Tigres: são três livros de imagem em que um tigre grita o seu silêncio. O tigre é um dos animais mais silenciosos, apesar de ser um dos maiores predadores. As almofadas das patas do tigre disfarçam sua aproximação. O primeiro tigre já está rodando na gráfica, seu nome vai ser Selvagem. Tem também um livro chamado Contradança que é um diálogo entre uma bailarina e seu amigo imaginário.

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