Dono de um timbre aveludado, Genil Castro parece fazer da guitarra uma extensão de sua polidez. Ele tira do instrumento acordes pianÃsticos, com harmônicos que parecem dedilhados de harpa. Ouvintes distraÃdos são capazes de esticar o pescoço, procurando no palco um teclado invisÃvel. Mas a tapeçaria sonora do guitarrista é alinhavada apenas com cordas de aço. Tanta sutileza talvez explique sua estreia tardia em CD, aos 43 anos, mais de duas décadas após ter abraçado a música como profissão. O lançamento será neste sábado (7/11), à s 20h, no Clube do Choro, e contará com as participações de Oswaldo Amorim, no contrabaixo, e Ticho Lavenère, na bateria. "Sempre fui muito autocrÃtico. Eu pensava: 'Fale quando tiver algo a dizer, senão fique calado'. Essa não foi uma polÃtica muito boa em termos profissionais - o perfeccionismo é irmão gêmeo da protelação", pondera. Assim, sem alarde, burilou seu estilo ouvindo jazz e música instrumental brasileira, estudando livros sobre harmonia, dando aulas para dezenas de alunos. Jamais se dedicou a compor, mas os temas autorais brotaram espontaneamente. Custou a acreditar, por exemplo, que havia escrito Samba pro Pacheco. Fez uma enquete entre os amigos para saber se a melodia era conhecida. Diante das negativas, concluiu: "É, eu devo ter feito essa música". O disco Circum-Ambulação também foi concebido sem planejamento. Genil só começou a levá-lo a sério após a liberação de uma verba do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). O dinheiro não deu nem para o começo, mas criou a obrigação de apresentar um produto. Vendeu o carro e convidou o arranjador Celso Bastos para ajudá-lo na empreitada. Acabou gravando composições de Scriabin, Chopin, Michel Legrand, Toninho Horta e Gilberto Gil, além daquelas de lavra própria. Nesse processo, contou com o incentivo dos centenas de fãs virtuais que acessam seus vÃdeos na web e deixam recados carinhosos. Na verdade, o curso aleatório dos acontecimentos não incomoda o guitarrista, admirador de filósofos espiritualistas como Alan Watts, Ken Wilber e Krishnamurti. "As ideias que melhor funcionam são aquelas que você menos interfere", acredita. Essa concepção quase zen permeia não só sua musicalidade, mas seu trabalho como educador %u2014 durante sua passagem pela Escola de Música de BrasÃlia, entre 1999 e 2005, Genil ajudou a montar um núcleo exclusivamente voltado para o estudo da guitarra. "Muitas vezes, cuida-se do instrumentista, mas descuida-se do ser humano por trás do instrumento. O importante é buscar a música em você." Os anos de formação Nascido em Uberaba, filho do médico Genil de Castro Pacheco e da enfermeira Cleonice Alves, o guitarrista teve um falso começo na música. Começou a estudar piano aos 12 anos, sem nenhum entusiasmo. O que eletrizava mesmo sua imaginação era a Fender vermelha de Betinho (e seu Conjunto Dançante), nome quase esquecido da Jovem Guarda, que Genil teve a chance de ouvir em um evento na Igreja Batista. "O rock%u2019n%u2019roll era minha válvula de escapa nesse perÃodo." No inÃcio dos anos 1980, a famÃlia Pacheco fixa raÃzes em BrasÃlia. Nessa época, Genil procurou o professor de violão Sidney Barros, o Gamela, com álbuns do Queen e AC/DC debaixo do braço. Levou um fora daqueles. "Quer ser guitarrista? Comece quebrando esses discos %u2014 esses caras são uns picaretas", disparou Gamela. Os dois ainda se reencontrariam após esse desajeitado esbarrão %u2014 dessa vez, falando a mesma lÃngua. Genil mergulhou então no mundo do jazz. Periodicamente, viajava para Goiânia com o intuito exclusivo de garimpar LPs importados na loja Opus. Foi assim que conheceu as gravações de Tal Farlow, Barney Kessel, Jim Hall. A principal metamorfose, porém, ocorreu em 1983. Prestes a atingir a maioridade, o músico desembarcou em Hollywood, Califórnia, para se juntar aos talentos emergentes do Music Institute of Technology (MIT). Lá, conheceu os guitarristas virtuoses Lenny Breau e Joe Diorio, que se tornaram fontes perenes de inspiração. Joe, por sinal, é homenageado com uma suÃte em Circum-Ambulação - a qual aprovou com louvor. Encontro com Cássia Eller É difÃcil imaginar, mas o discreto Genil foi parceiro da explosiva Cássia Eller entre 1985 e 1986. "Na verdade, ela foi minha primeira aluna. Mostrei para ela os discos de Joe Pass com a Ella Fitzgerald e a gente se apresentou algumas vezes com repertório de jazz". Nesse breve temporada, tocaram no Chorão (302 Norte) e no Moinho (314 Sul). O guitarrista também acompanhou a cantora em seu primeirÃssimo show, no Bom Demais (706 Norte) , em que tocavam Beatles. De lá para cá, dividiu o palco com muitas estrelas. De Toninho Horta a João Donato, passando por Guinga, Lula Galvão, Carlos Malta e Vittor Santos. Em 2004, obteve licenciatura em música na UnB e, agora, é mestrando em musicologia. Há anos, trabalha na sistematização de seus conhecimentos e pretende publicar, em breve, os três volumes de Tapeçaria harmônica em 6 cordas. No show de hoje, no Clube do Choro, apresentará as músicas de Circum-Ambulação e também surpresas como Bombaim Baião e Frevo Pagão, em que mostra sua veia mais brasileira. Ouça trecho da música Prelúdio, de Chopin Ouça trecho de Se eu quiser falar com Deus, de Gilberto GilGENIL CASTRO TRIO Show neste sábado (7/11), à s 20h, pelo projeto Prata da Casa, no Clube do Choro (SDC, Eixo Monumental; 3224-0599). Entrada franca. Não recomendado para menores de 14 anos.