postado em 12/11/2009 10:58
O Vale do Amanhecer é um enigma para a ciência. Formada em psicologia e com mestrado em antropologia, Ana Lúcia Galinkin seguiu o chamado e hoje lança A cura no Vale do Amanhecer, livro em que mergulha nos rituais de cura de Tia Neiva, líder carismática da Doutrina do Amanhecer, que veio em 1957 trabalhar na construção da nova capital. A obra será lançada hoje, às 19h, no Rayuela Livraria e Bistrô (412 Sul). O trabalho debruça-se sobre os mecanismos de vidência de Tia Neiva.Mistérios de Tia Neiva
O livro é fruto de tese de mestrado em antropologia social realizada nos anos 1970. O que mudou na maneira como você olhou para o Vale do Amanhecer na época e como olha hoje?
Ocorreram muitas mudanças no Vale do Amanhecer nesse período de 30 anos. Entre a dissertação de mestrado, que deu origem ao livro A cura no Vale do Amanhecer, e hoje, o acontecimento mais impactante foi o falecimento de Tia Neiva, líder espiritual carismática da Doutrina do Amanhecer. Tia Neiva tinha um papel fundamental na dinâmica da vida social e religiosa daquela comunidade. As mensagens enviadas aos adeptos pelo mentor da doutrina, Pai Seta Branca, e de outras entidades de luz, por meio da mediunidade de Neiva, davam sentido e sacralidade à existência do Vale e aos feitos que ali ocorriam, como a criação de rituais, a introdução de entidades, as explicações para o sofrimento, outros lugares de culto. A origem do Vale e todas as criações e inovações que ocorriam naquela época eram atribuídas a revelações das entidades, em particular Pai Seta Branca, por meio dos dons extraordinários de Neiva. O carisma da clarividente operava como um catalisador que agregava os adeptos em torno das propostas e metas da organização religiosa. E, como afirma Max Weber, os seguidores acatam essa forma de liderança e suas profecias de maneira reverente e entusiástica.
Tia Neiva tinha outros dons?
Neiva fazia ainda revelações sobre a vida pretérita das pessoas, em outras encarnações, dando sentido à sua existência atual. O lugar de profetisa e clarividente de Tia Neiva não foi ocupado por outra liderança e não há mais as revelações que dinamizavam a vida religiosa dos seguidores. Também a preparação para o Terceiro Milênio, dos acontecimentos que poriam fim à antiga Era e dariam início aos novos tempos, foi reinterpretada. A realidade atual do Vale do Amanhecer demanda, certamente, outros olhares e outras leituras dos acontecimentos.
Qual o interesse dessa comunidade para um antropólogo hoje?
Trata-se de um novo momento do Vale do Amanhecer, que tem sido analisado por pesquisadores das áreas de história, antropologia, semiótica, sociologia, mostrando a riqueza de possibilidades de leitura daquela comunidade religiosa. Em minha pesquisa, abordei apenas a concepção de doença e cura. Muitos outros aspectos daquela comunidade religiosa poderiam ser analisados.
Qual a importância da cura e o que entende por ela na sua pesquisa?
Naquela época, os objetivos da organização religiosa do Vale do Amanhecer eram promover a cura das mais diversas formas de sofrimento das pessoas e preparar a humanidade para a entrada do Terceiro Milênio. Os adeptos da doutrina realizavam o diagnóstico e tratamento de tais sofrimentos nos rituais de desobsessão, usando de sua mediunidade, pois ;doença; e sofrimento, segundo a concepção dessa doutrina, têm como causa espíritos obsessores que assediam as pessoas. Interpreto os rituais de cura tendo como referência a concepção de eficácia simbólica, como descrita por Lévi-Strauss. Segundo o etnólogo, o que o paciente busca é uma explicação para o seu sofrimento, um sentido para sua perturbação integrando-a a um sistema de referência que reorganiza e torna compreensível seu padecimento.
A CURA DO VALE DO AMANHECER
De Ana Lúcia Galinkin. Editora Techno, 152 páginas. Lançamento hoje, às 19h, no Rayuela Livraria e Bistrô (412 Sul). R$ 35.