Diversão e Arte

Principais filmes brasileiros apresentados no FICBrasília dão clara preferência ao interior do país

postado em 13/11/2009 08:00
Em Viajo porque preciso, volto porque te amo, o sertão é apresentado na perspectiva de um geólogo em viagem transformadoraEm 1979, a paupérrima caravana Rolidei percorreu vários quilômetros do interior do Brasil para apresentações de números circenses em cidades fora do mapa. Mesmo naquela época e visitando regiões tão inóspitas, a trupe liderada por Lorde Cigano (José Wilker) pressentia o perigo das terríveis espinhas de peixe, cuja quantidade dobrava de tamanho todo dia na paisagem. No clássico dos anos 1970 Bye, bye, Brasil (de Cacá Diegues), a televisão e suas antenas são o pedaço visível da comunicação de massa alcançando o interior do país. Num avanço de 30 anos no tempo, os ventos cinematográficos invertem a direção e voltam a soprar para o centro do Brasil. O panorama formado pelos seis títulos selecionados para a mostra competitiva nacional do Festival Internacional de Cinema de Brasília (FICBrasília 2009) dá uma ideia de quais serão os temas cinematográficos no circuito a partir do final deste ano e do início de 2010. A maioria das histórias brasileiras apresentadas no festival, que será encerrado no próximo domingo, abandona metrópoles e litoral para representar habitantes afastados de grandes centros urbanos. ;Duas coisas que no Brasil não vão se esgotar nunca. Uma é o pré-sal e a outra são as histórias para se contar;, afirma com humor o diretor cearense Karim A;nouz (O céu de Suely e Madame Satã) sobre o leque de situações encontradas em outros pontos do país. ;O Brasil é muito grande, tem muita coisa a ser descoberta aqui;, afirma a produtora Sara Silveira, responsável por dois filmes no FIC, Os famosos e os duendes da morte e Insolação. Sara enxerga nesse deslocamento de olhar uma maneira de reduzir diferenças técnicas entre o eixo Rio-São Paulo e o resto do país. ;Quando você monta uma equipe mista com profissionais de diferentes regiões, o intercâmbio de conhecimento é imenso. É até uma função social dentro de uma produção;, ressalta ela. ;Não tinha pensado nisso, mas realmente é um conjunto de filmes que de alguma forma abordam essa relação de eco, de ressonância, de coisas da cultura industrial urbana nesses espaços e como novas identidades são formadas a partir disso;, constata o diretor Felipe Bragança de A fuga da mulher gorila. Canções folk e paisagens oníricas compõem a ficção Os famosos e os duendes da morte A pesquisa sobre o sertão contemporâneo influenciado pela globalização desenvolvida por A;nouz em parceria com o cineasta Marcelo Gomes (Cinema, aspirinas e urubus) enveredou para uma viagem pelas entranhas do sertão nordestino já em 1999. O diário audiovisual escrito durante 10 anos em 16mm, 8mm e vídeo digital gerou um desabafo narrado em primeira pessoa pelo geólogo José Renato (interpretado pelo ator Irandhir Santos) na montagem final da ficção documental Viajo porque preciso, volto porque te amo. ;Me incomoda muito quando falam do povo do sertão como se fosse um bando de marcianos que só gostam de Padre Cícero. O meu desejo é construir uma representação que de fato configure um novo olhar para esse lugar;, completa A;nouz. Fantasia É inverno no interior do Rio Grande do Sul, o rito de passagem da adolescência para a fase adulta de um garoto é envolvido pela fumaça de baseados e canções folk. Numa paisagem onírica, a fantasia se mistura à realidade na ficção homônima escrita por Ismael Caneppele, também roteirista e ator do filme Os famosos e os duendes da morte. A estreia na direção de longas do paulista Esmir Filho (conhecido pelo sucesso do vídeo Tapa na pantera no Youtube), levou o troféu Redentor no Festival do Rio deste ano. ;Na verdade é uma história muito universal sobre a adolescência e seus ritos de passagem;, explica Filho. O uso da canção Mr. Tambourine man, de Bob Dylan, começou a ser negociado antes mesmo das filmagens serem iniciadas e custou cerca de US$ 60 mil. O delírio de amor causado pelo calor excessivo dá vazão a assimetrias sentimentais dos habitantes de uma Brasília metafórica. Insolação, a estreia na direção do propalado diretor de teatro Felipe Hirsch em codireção com Daniela Thomas, traça paralelo entre a utopia de modernidade da capital construída no interior do Brasil e a essência de contos russos de Tchekov, Turgeniev e Pushkin. Paisagens etéreas dissolvem os clichês construídos em torno da cidade, símbolo do poder no Brasil. A vontade de experimentar um cinema despido de grandes estruturas técnicas espremeu o elenco e a equipe de A fuga da mulher gorila em uma Kombi durante a jornada de oito dias entre as cidades de Campos e o Rio de Janeiro. ;A iluminação foi toda improvisada com material comum, um varal de lâmpadas aceso com a bateria do carro, única fonte de energia disponível;, explica o codiretor Felipe Bragança (a fita também é assinada por Marina Meliande). As cenas ensaiadas com antecedência pelas atrizes Flora Dias e Morena Catonni eram executadas durante a viagem real da equipe. A trajetória das irmãs protagonistas do truque mambembe da bela moça que se transforma em uma fera peluda é embalada pela sonoridade eletrônica de canções de videokê e pela poesia falada desse road movie com ares artesanais. A intimidade de cidadãos comuns sempre foi a tônica dominante no cinema de Eduardo Valente. O excelente desempenho dos curtas-metragens Um sol alaranjado e Castanho em festivais internacionais deu subsídio suficiente para o diretor abordar a violência na cidade do Rio de Janeiro no filme No meu lugar como dilema íntimo de alguns de seus habitantes. A comédia inspirada em livro homônimo de Sérgio Sant;Anna Um romance de geração se desenrola inteira dentro de um apartamento. O protagonista é um escritor que experimentou sucesso de público e crítica ao lançar o primeiro livro e que depois nunca foi capaz de escrever uma só linha criativa. Chacoalhado pelo interesse de uma jornalista em sua obra, ele inventa um livro feito de trechos de clássicos da literatura mundial. ;Nós não datamos o filme, mas ele se passa mais ou menos com a geração dos anos 1970, quando as utopias estão começando a dançar. O personagem começa a pensar na razão de se fazer arte engajada etc. Mas isso não está no figurino ou nos cenários;, explica o diretor David França. ; Áudio: ouça entrevistas com os diretores e veja trailers dos filmes ; Confira os horários dos filmes nacionais que ainda podem ser vistos no Festival Internacional de Cinema de Brasília (FICBrasília) ; Na telona Previsões de estreia no circuito nacional ; Os famosos e os duendes da morte - março de 2010 ; Insolação - março de 2010 ; No meu lugar - 20 de novembro de 2009 ; Um romance de geração - 16 de novembro de 2009 ; Viajo porque preciso, volto porque te amo - março de 2010

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