postado em 16/11/2009 08:41
Após mais uma sessão de duas horas, os atores principais do filme estavam lá, prontos para bater um papo com a plateia. A primeira pergunta foi respondida enquanto metade das 30 pessoas que assistiram à fita saía da sala 1 do Cine Academia. Em seguida, a produção do evento avisou: "Vamos continuar o debate no cafezinho, porque outra sessão vai começar". Pronto. Eram 21h50. E todos se dispersaram.
A cena aconteceu com os gaúchos Henrique Larré e Samuel Reginatto, protagonistas de Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho, após a exibição do filme na noite de sábado, penúltimo dia do 11º Festival Internacional de Cinema de Brasília (FicBrasília). E não foi uma situação isolada. O desencontro entre plateia e convidados, o troca-troca na programação e problemas técnicos permearam a exibição de produções nacionais e estrangeiras durante a mostra.
Para os apaixonados pela sétima arte, no entanto, vale tudo para assistir a bons filmes. De acordo com a organização do FicBrasília - que exibiu 86 longas-metragens, além de mostras francesa e coreana -, cerca de 18 mil pessoas passaram pelo evento desde 4 de novembro. A mesma média de público do ano passado. "As pessoas tiveram a impressão de menos gente porque também tivemos exibição no CCBB. Mas calculamos que apenas nos fins de semana tivemos aumento de 800 pessoas com relação a 2008", explicou a diretora geral do Fic, Donatella Farani.
No encerramento, ontem à noite, foram anunciadas as produções vencedoras. O júri da mostra competitiva internacional - composto por Jean Thomas Bernardini, Tânia Montoro e Jo Takahashi - elegeu como melhor filme o drama Prince of Broadway, do diretor Sean Baker, que conta a história de dois imigrantes em Nova York envolvidos com o mercado pirata de moda, em meio a problemas domésticos com filho desconhecido e casamento falido. Já os jurados do Prêmio TV Brasil, José Eduardo Belmonte, Marco Ricca e Renato Barbieri, escolheram como melhor produção nacional Insolação, dos diretores Felipe Hirsch e Daniela Thomas. Rodado em Brasília, o filme conta histórias de jovens e velhos que, em uma cidade vazia, confundem a sensação febril da insolação com o início da paixão.
A despeito da premiação, algumas produções bateram recorde de público. Os filmes Anticristo, de Lars von Trier, e 500 dias com ela, de Marc Webb, reuniram mais de 400 espectadores, segundo a produção. New York, I love you (EUA/ França, 2009), El niño pez (Argentina/Espanha/França) e La invención de la carne (Argentina) vieram em seguida como os que mais lotaram as salas de cinema.
"Todos os 21 filmes que vi foram muito interessantes. Acho que valeu a pena. O triste é ver um festival tão importante com tantos desencontros e falhas", comentou a professora Maria Alice da Cunha. Em nove projeções de filmes nacionais, houve encontros e debates com atores ou diretores. Na esfera internacional, 11 profissionais estiveram na cidade para interagir com o público. Mas falta de informação e falhas na programação acabaram deixando os debates vazios.
"Os debates foram todos anunciados na programação. Este ano, não fizemos os encontros fora das salas por falta de público no ano passado. Mas, de resto, tudo correu como sempre", disse Donatella. "Os jurados e os convidados elogiaram a organização do festival. É fato que a Academia de Tênis é meio separada da cidade. Mas é uma ilha em que as pessoas podem se encontrar. Apesar de problemas técnicos e filas, o Fic merece reconhecimento. Temos que ver o lado positivo, porque ele é bom para a capital do país."
Os vencedores
MOSTRA COMPETITIVA
Melhor filme: Prince of Broadway (EUA, 2009) de Sean Baker
Menção honrosa concedida pelo júri: Tulpan (Cazaquistão, 2008), de Sergei Dvortsevov
Menção honrosa pela atuação: Elsa
Amiel (Nulle Part, terre promisse)
PRÊMIO TV BRASIL
Melhor filme: Insolação, de Felipe Hirsch e Daniela Thomas
Menção honrosa concedida pelo júri: Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho
Menção honrosa para melhor ator: Marcio Vito (No meu lugar)
Menção honrosa para direção: Lucía Puenzo (El niño pez)
Prêmio de excelência técnica: Mauro Pinheiro Júnior (pela fotografia dos filmes Insolação, No meu lugar e Os famosos e os duendes da morte)
Os altos e baixos do Fic
PRÓS
-O risco, em exibições sem concessão, firmado
logo na abertura com o difícil A fita branca
(de Michael Haneke)
-Documentários com teor inflamável, visto em
obras de Stelios Koul, Yoav Shamir, Chaim Litwski
e Zhao Liang
-Espaço para fitas experimentais (sem possibilidades comerciais), como La invención de la carne e Material
-Celebração do cinema autoral, com nomes de peso como Alain Resnais, Lars von Trier, Andrei Tarkovsky, Andrzej Wajda e François Ozon
-Menor número de desfalques de títulos e menor incidência de cópias de origem duvidosa
-O trio La nana, Parque Vía e El niño pez, todos apontando possibilidade de paraíso para a classe operária
-Alinhamento de nomes consagrados na competição oficial (Adrián Caetano, Lucía Puenzo, James Toback e
Emmanuel Finkiel)
-Aposta em diretor pouco divulgado, mas com obra densa, na retrospectiva Ryuichi Hiroki
-O caráter gratuito para os filmes da Coreia do Sul, com destaque para Epitáfio e Milyang (com a atriz premiada em Cannes, Do-Yeon Jeon)
-Presença de ficções brasileiras de ponta, como Insolação, No meu lugar e Viajo porque preciso, volto porque te amo
-Assim como em 2008, a organização foi veloz e eficiente para diminuir as filas tanto nos guichês quanto na entrada do cinema
-Os filmes O homem que engarrafava nuvens e Caro Francis, pelo resgate precioso do compositor Humberto Teixeira e do polêmico jornalista Paulo Francis
-A atriz e diretora francesa Elsa Amiel (Nulle Part, terre promise). Desde que pisou os pés no festival, ela esbanjou simpatia, falando em português e exibindo um sorriso radiante
CONTRAS
-A indefinição na chegada de convidados para
debater filmes
-Constrangimento desnecessário para espectadores e convidado(s), no afobado processo de debates no fim de algumas sessões
-Os debates deixados para a última sessão do dia. Vários foram cancelados por falta de quorum
-Fim da pipoca grátis
-A inclusão de (500) dias com ela na programação, às vésperas da entrada do filme no circuito exibidor
-Problemas técnicos. Várias sessões foram iniciadas sem a devida equalização sonora, o que obrigava o público a sair da sala e se manifestar para que a altura fosse alterada
-As projeções digitais prejudicaram a autenticidade técnica de alguns títulos. Vários trechos de No meu lugar, de Eduardo Valente, não puderam ser visualizados
-Tokyo!, de Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon-ho, foi exibido no Academia Hall porque lá cabe mais gente. Por ser uma sala muito grande, a acústica é ótima para convenções, mas péssima para o cinema.