Qual a expectativa de participar do festival?
Desde que foi finalizado, houve grande expectativa de tê-lo no Festival de Brasília. Mas sabia da forte concorrência que existe para a seleção. E se trata do primeiro filme em 35mm que dirigi. O festival proporciona uma boa visibilidade. Só a seleção já é uma grande conquista. Antes do Água viva, o único outro curta que dirigi foi Aquilo que resta, finalizado em DVD (e feito em DVCam, em 2008).
Como foi o processo de criação?
Eu considero este curta mais pelo exercício do que por qualquer outra coisa. Foi uma ótima experiência, feita em condições muito adversas. Assim, o primeiro prêmio que recebi foi pelo Água viva (não o filme, mas pelo roteiro dele). Foi na 13; edição do Festival Brasileiro de Cinema Universitário, no Rio de Janeiro, que o roteiro foi escolhido para participar da Oficina de Roteiros do Projeto Sal Grosso. Eles selecionam 12 roteiros de estudantes universitários de todo o país e, desses, premiam um para ser realizado e finalizado em película, com a condição de que seja produzido pela própria equipe do festival e que a equipe seja toda composta por estudantes universitários de diversos cursos do país. É criado ainda para ser apresentado na noite de encerramento do festival do dia seguinte. No caso do Água viva, a equipe de fotografia veio da ECA-USP, o som da UFF, a arte da FAAP, a edição de som da PUC-RJ e a edição da FAP-PR. Foi uma experiência incrível trabalhar com uma equipe que não foi escolhida por mim e conhecer pessoas de diversos lugares do país.
Quais os grandes desafios do filme e do que ele trata?
Por mais que seja um filme fundamentalmente narrativo, nossa intenção foi trabalhar em diversos níveis de leitura. Mas isso não acontece por vaidade. É uma questão de abordagem do espectador, mesmo. Nesse sentido, acho que o maior desafio que enfrentamos para realizar o Água viva esteve na busca de uma abordagem específica para sua temática. Temos em primeiro plano, um tema que tem sido muito abordado, principalmente nos curta, que é o rito de passagem. Mas, para nós, o tema fundamental do filme está na complexa relação do indivíduo com seu corpo e nas dificuldades que ele enfrenta para administrar seus desejos, vontades, medos e desconfortos em relação a isso. Nesse sentido, em segundo plano, existe um jogo narrativo com as semelhanças sintomáticas da bulimia com a psicociese (gravidez psicológica). Então, como você pode ver, por existir uma estrutura narrativa muito complicada de se lidar, com diversos temas e complexos, os desafios do curta começaram no roteiro. Foram muitos tratamentos, um processo longo de pesquisa (que incluía livros médicos acadêmicos, relatos pessoais de anoréxicos e bulímicos e exploração de blogs). Das fontes conceituais, destacaria o livro A água e os sonhos (de Gaston Bachelard). Já na realização, os desafios estiveram muito ligados ao próprio contexto do Projeto Sal Grosso, que implica na realização do curta com uma equipe desconhecida. A feitura do curta em um contexto de baixo orçamento, contando com apoio fundamental de diversas empresas. E um curta realizado apenas por universitários. Se existe, por um lado, uma vontade enorme de fazer, de conhecer, de buscar, também há a insegurança de quem está começando, de quem está abrindo seus primeiros caminhos.
Ainda compensa fazer curta-metragem no Brasil?
Por um lado, não faz sentido todo o trabalho e as dificuldades enfrentadas para se fazer um curta-metragem, se os fins buscam apenas a autopromoção, conceber uma espécie de curta-portfólio e ter em vista o mercado. Além do mais, imagino que esse seja um dos caminhos mais tortuosos que alguém possa escolher, se o foco é unicamente o mercado. Mas, por outro, fazer um curta também não pode ser um exercício egocêntrico. O cinema em nosso país sobrevive, fundamentalmente, de estímulos provenientes de investimento público. O próprio Água viva, se formos buscar as fontes de financiamento, veio de leis de incentivo fiscais e de apoios da iniciativa privada. Ou seja, existe um envolvimento pessoal, mas também deve haver um comprometimento com a sociedade. Por isso que, para se fazer cinema deve-se encontrar um meio-termo. O envolvimento pessoal é fundamental para lidarmos com a matéria-prima com a qual trabalhamos. Além disso, estar pessoalmente envolvido é importante por ser a melhor forma de se encontrar aquela motivação sobre-humana que é demandada. No mesmo sentido, o profissionalismo ajuda a mantermos a cuca fresca, evitarmos que turbilhões de questões pessoais deixem que percamos o foco do nosso trabalho. Também é essencial a construção de um ambiente de trabalho apropriado. O curta-metragem é um espaço de experimentação ímpar no cinema. Por ter compromissos que o longa não tem, por ser o formato primordial dos universitários e estudantes, por ser curto e possibilitar que se dê uma prioridade à forma, em detrimento da narrativa, sem que se perca a atenção do espectador. O curta-metragem não morre. Ainda mais se você abrir mão de certos ideais puritanos e observar de forma não-preconceituosa ; sem perder o ponto de vista crítico ; para o que tem sido feito e disseminado com o fenômeno de vídeo e da internet.