Ricardo Daehn
postado em 22/11/2009 15:49
Logo que despontou no cenário nacional, há sete anos, a diretora Anna Muylaert ouviu de muitos que o premiado filme dela, Durval discos, tinha dois lados: A e B (num primeiro momento melancólico e, subitamente, soterrado por violento ar surreal). À frente do novo longa, É proibido fumar ; concorrente a troféus Candango ;, detido num triângulo dramático, Anna encoraja a leitura até de um lado C. ;Pode até ser um disco de três lados, mas isso por causa do final surpreendente;, brinca. O gosto de integrar cinema e música deriva de várias explicações: a mãe de Anna foi professora de violão (tal qual a protagonista, interpretada por Glória Pires)e, de forma amadora, a cineasta já tocou baixo, além de ter sido casada com André Abujamra. ;Na verdade, em termos de amizades, fui mais da turma da música do que da do cinema;, explica.É proibido fumar bebe, portanto, da sonoridade, com inusitado eco da obra para violão de Heitor Villa-Lobos. ;A gente foi colocando, experimentalmente, ; depois, fui me deslumbrando e a trilha milionária, que fez estourar o orçamento, rendeu enorme qualidade;, observa. No fim, porém, o que pesa no filme é a história de amor (moldada na relação cão e gata) entre a solitária Baby (Glória Pires) e o novo vizinho, Max (Paulo Miklos), um músico de churrascaria. ;A Regina Casé leu o roteiro e chegou à conclusão de que é o encontro entre o chinelo velho e o pé cansado;, ri. Nos bastidores, porém, nem tudo pendeu para a descontração. ;Procurei o Paulo e a Glória por representarem um polo positivo e outro, o negativo. No processo de trabalho, que não foi fácil, houve crises e superações. A enorme eletricidade transparece na tela;, conta. Tudo foi arquitetado para desembocar no enredo que ressalta o desejo e a impossibilidade de satisfação.
[SAIBAMAIS]Entusiasta do cinema independente americano, Anna Muylaert cita a devoção a Wes Anderson (de Viagem a Darjeeling), aos irmãos Joel e Ethan Coen e ainda ao Quentin Tarantino da época de Pulp fiction. Parados no tempo, os personagens gozam de distinções sonoras ; ;ela tem mais ligação com melodia e ele, com o ritmo; ; e de alguma familiaridade com Durval discos. ;Baby é, de certa forma, irmã do Durval. Ela mora na casa dos pais que morreram e usa roupas anacrônicas. A musicalidade do Villa-Lobos dos anos 1950, ajudou a dar o clima de mofo que ela tem. Quando entra o personagem do Miklos, ele muda a musicalidade;, adianta a diretora.
Com custo de R$ 3,8 milhões, o longa demandou uma infra-estrutura pesada (para o arcaico formato Super 35), numa via de resistência ao digital, ;que acabou;. Em mais uma investida simbólica, a diretora exagera, aos risos, cravando que ;a evolução do roteiro trata de um mito;. Além de quase dar vida a objetos como violão e o cigarro (;que é animado, na boca do fumante;), Muylaert enfocou uma crítica a comportamentos de submissão. ;Acho que as mulheres evoluíram, principalmente no campo profissional mas, no aspecto afetivo, ainda existe uma tendência grande de se colocarem como serviçais dos homens ; isso mesmo que não queriam, ocorre até com as ricas e poderosas. Nesse quesito, há tanto uma carga milenar, quanto uma luta da mulher;, avalia a cineasta.
Gangue alternativa
Na trama do longa, o ;cenário humano; é composto por 15 participações de intérpretes de papéis como os alunos de Baby, familiares das personagens, o pessoal do prédio do casal e gente vista no elevador. Somadas à coadjuvante Alessandra Colasanti (a eterna Bailarina de Vermelho, ;um geniozinho;, como ressalta Muylaert), despontam figuras pouco tradicionais, como Antônio Edson, Paulo César Pereio, Lourenço Mutarelli e Etty Faser. ;No fim, é uma história sobre duas pessoas, mas você viu mais gente;, explica.
Para dar andamento ao filme, Anna conta que aguardou espaço livre na agenda de Glória Pires, um imã de popularidade, mas que ;trouxe a maestria no vídeo como qualidade principal;. Curioso é a estrela global estar numa produção ;sobre pessoas não muito sérias;, como define a diretora. No filme, é gritante a avacalhação com o modo de ser do brasileiro: ;Os personagens seguem a linha do ;tá errado, mas bola para frente;, ;aceita como tá;;.
Ex-crítica de cinema, a cineasta não se deu refresco, nos bastidores de É proibido fumar. O agrado ao público, à crítica e ao júri oficial de Gramado (com Durval discos), não atenuou cobranças: ;É você com você mesmo, numa questão do tipo ;pô, não posso baixar de nível!’ (risos). O segundo filme é um fantasma, mesmo. No Brasil, com um passo em falso você cai do mercado;, explica a diretora, que fez questão de guardar a exibição do inédito longa para a capital. ;A gente preservou porque o Festival de Brasília está meio abandonado pelos realizadores e não existe razão para isso: o festival ainda tem a atenção da imprensa, em nível nacional. E acho que meu filme foi feito para o Brasil;, conclui.
Ouça trechos da entrevista com a diretora Anna Muylaert