Diversão e Arte

Documentário A falta que me faz fecha a mostra competitiva com olhar para o fim da juventude

postado em 23/11/2009 09:20
Impossível menosprezar o papel do acaso no (frutífero) processo criativo do documentário A falta que me faz, que encerra nesta segunda (23/11) a mostra competitiva do 42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A cineasta Marília Rocha pesquisava o cotidiano de catadores de sempre-vivas na Serra do Espinhaço, no norte de Minas Gerais, quando conheceu quatro adolescentes que, inesperadamente, tomaram as rédeas da narrativa. À procura de personagens, Marília acabou descobrindo um espelho nas experiências de Alessandra, Priscila, Shirlene e Valdênia. "Elas são pessoas muito fortes e frágeis ao mesmo tempo. Justamente por estarem vivendo um momento de transição, me atraíram muito. Elas estavam chegando aos 20 anos. E eu estava perto dos meus 30, também com várias questões sobre a vida", explica. Durante um inverno, a diretora de 31 anos acompanhou o fim da juventude de um grupo de jovens interioranas. Rodado na Serra do Espinhaço, na região de Diamantina, A falta que me faz desvenda incertezas e sonhos femininosMoradoras da cidade de Curralinho, no distrito de Diamantina, as meninas vivem o drama dos sem-perspectivas. Criam fantasias impossíveis sobre os homens que vêm de fora, ouvem funk e forró, frequentam festas, namoram e negociam as cobranças da idade adulta. "O tema do filme se ampliou muito. Ele fala de incertezas que todos nós vivemos. As garotas criam relações de amizade, sofrem traições e perdas. São temas humanos", resume. Paralelamente às mudanças vividas pelo quarteto, Marília também se deixou alterar: buscou um novo jeito de filmar. Abandonou muito da experimentação visual dos longas Aboio, de 2005, e Acácio, de 2008, e mapeou o tema com apenas uma câmera digital. "A paisagem é linda, mas não há nada que chame atenção para a fotografia, por exemplo", afirma. Um documentário, por isso, sem compromissos com o convencional. "Participar de Brasília dá um friozinho na barriga, mas me tranquiliza o fato de ter um público interessado por cinema", diz. Quatro meninas A diretora Marília Rocha aborda amizade, traição e perdasEstreante na mostra, Marília apressa-se a avisar: não, ela não é uma das personagens do documentário. Mas, ainda assim, a cineasta confirma o traçado íntimo do projeto. "Não apareço, mas este é o filme mais pessoal que já fiz. Estou lá. Eu, as quatro meninas e a equipe", observa. Além do nervosismo provocado pela exposição do filme à plateia do Festival de Brasília, a sessão de hoje à noite também promete uma ebulição sentimental: a cineasta reencontrará o Cine Brasília, onde assistia a filmes com a mãe no período curto em que viveu na capital, durante a infância. "Não lembro do ambiente, mas sim do clima. Eu não entendia nada dos filmes, mas curtia assim mesmo". Mestre em Comunicação Social pela UFMG, a diretora goiana vive e trabalha em Belo Horizonte (MG), onde participa do coletivo Teia. O grupo venceu o Candango de melhor curta no 39ª Festival de Brasília com Trecho, de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr, e entra pela primeira vez na disputa pelos principais troféus Candango. "Somos seis realizadores e cada um tem muita independência. Não sentamos para discutir os filmes. Compartilhamos impressões, referências. Mas a troca não é formal, ou nada disso teria dado certo por tanto tempo", afirma. Para a autora, o território pisado em A falta que me faz é verdadeiramente novo. O trabalho instigante com o som, matéria-prima de Aboio, vencedor do É Tudo Verdade (e um filme dedicado em grande parte ao canto e à narração dos vaqueiros), foi amenizado. Já a obsessão pela memória, que predomina em Acácio (mosaico das lembranças de um casal de imigrantes portugueses), cede espaço para uma narrativa fincada no presente. "Eu já estava ficando preocupada: será que vou falar sempre da memória? Mas não. Este filme é totalmente no presente. Com tudo de bom e de ruim que isso traz. Às vezes a gente para e pensa: qual é o futuro dessas garotas?" O encontro termina, percebe-se, sem o conforto de um happy end. Rede criativa Desde 2003, quando foi criado, o coletivo Teia produz algumas das realizações audiovisuais brasileiras mais elogiadas da década. O grupo de Belo Horizonte valoriza a experimentação visual e a reflexão sobre a linguagem cinematográfica. Composto por Clarissa Campolina, Helvécio Marins Jr, Leonardo Barcelos, Pablo Lobato, Sérgio Borges e Marília Rocha, coleciona mais de 60 prêmios em festivais brasileiros. 42º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO Nesta segunda (23/11), a partir das 20h30, no Cine Brasília, com exibição dos filmes da última noite de mostra competitiva. Reprise às 23h30. Ingressos: R$ 6 e R$ 3 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos. Ouça entrevista com Marília Rocha

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