Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Cineastas de Brasília fazem uma disputa à parte no festival. Novos talentos começam a surgir na cena local

"Houve um aumento quantitativo nos filmes, mas acho que ainda há muito caminho a ser trilhado, em termos de qualidade na Mostra Brasília", comenta o cineasta Cauê Brandão. Ele, que, aos 24 anos, viu na tela do Cine Brasília a projeção do filme de estreia (Princípio da incerteza) em 35mm, é um exemplo do tipo de esforço por trás da mostra paralela à programação noturna, mas em nada marginalizada. Criado em 1996, o troféu Câmara Legislativa do DF, atrelado ao resultado da Mostra Brasília, é cobiçado pelos cineastas locais e projeta as marcas do legítimo cinema candango. Cauê Brandão, que aplica mais R$ 20 mil e seis meses de preparação para Princípio da incerteza, não é exceção: ;É extremamente importante a mostra existir para o estímulo à produção regional".

Com maciça adesão da classe cinematográfica, nas duas tardes de exibições, a Mostra Brasília - que reúne, num mesmo páreo, todas as realizações locais não contempladas na seleção competitiva noturna - vem alargando horizontes. "O público, ano a ano, tem se tornado maior e não se trata de panelinha de realizadores - é público, mesmo. Contei umas 800 pessoas (para uma sala de 600 lugares) e acho que, se houvesse reprise, teria mais espectadores também;, opina R.C. Ballerini (do curta As estalactites de Davi).

Afora contratempos na projeção - todos os filmes foram muito prejudicados pelo som -, Ballerini, que é iniciante no formato 35mm, comemorou a passagem pela mostra. "Fiquei muito satisfeito com o palco de exibição propiciado pelo Cine Brasília". Vencedor do prêmio da Câmara Legislativa com Contraponto & fuga (2001), o diretor demonstra a persistência com a realização de As estalactites de Davi, projeto em andamento desde 2005. Cineasta, produtor cultural e músico, teve de aplicar do próprio bolso R$ 19 mil para complementar o orçamento de R$ 104 mil. Grande parte do montante veio de um antigo edital do Polo de Cinema, cuja falta de efetividade atual foi muito criticada nos corredores pelos realizadores.

Na plateia da Mostra Brasília, Louise de Andrade, aos 14 anos, deu a medida da capacidade de diálogo entre espectadores e os curtas-metragens exibidos nas sessões de sábado e domingo. "Gostei da amizade (entre uma menina e a empregada) que o filme Feijão com arroz quis transmitir. Me identifiquei com ele", disse.

Produtora da fita concorrente ao troféu Câmara Legislativa, Rafaela Camelo, aos 24 anos, exalta a animação com a vitrine propiciada pela mostra. "É um orgulho participar. Existem vários grupos que estão sempre por aqui, competindo com regularidade, mas é interessante que as pessoas saibam que existe gente nova, formada há pouco e que faz um cinema cuidadoso. Até temos as nossas falhas, mas aquilo que é proposto a gente consegue realizar", avalia Rafaela. Orçado em R$ 46 mil, Feijão com arroz é o primeiro curta, em cinco anos, a ser finalizado (com cópia final) pelo laboratório de produção audiovisual da UnB.

Em evidência
Antes da sequência de exibições de curtas, uma vez que os dois longas programados não ficaram prontos a tempo, os discursos dos diretores foram diversificados e abrangentes. Cineasta premiado, Ítalo Cajueiro, da animação Reconhecimento, criticou a forma como a mídia noticia casos de crimes. "A sociedade de consumo valoriza mais os produtos que as pessoas. Esse filme é uma reflexão sobre a banalização da violência", observou, sobre a produção inspirada em caso real de sequestro relâmpago. O formato do curta é multifacetado: abre com atores, se converte em animação e, no fim da história, apresenta depoimentos de anônimos.

Após a sessão, Ítalo disse ter ficado satisfeito com a reação do público, que acompanhou atentamente o curta e guardou os aplausos para o encerramento dos créditos finais para aplaudir. "A mostra é fundamental. Este é o único momento do ano em que Brasília se vê na tela", comentou o diretor, que já participou da Mostra Brasília em três outras ocasiões: com O lobisomem e o coronel, em 2002, com A moça que dançou depois de morta, em 2003, e em 2008, com A menina que pescava estrelas. Para o cineasta, a organização do festival deveria valorizar títulos de Brasília com prêmios oficiais, além do Troféu Câmara Legislativa. "Seria uma forma de reconhecimento. Vários festivais premiam a produção local", sugeriu.

Estreante na mostra, a diretora Adriana Vasconcelos, de Senhoras, concorda com a ideia de Ítalo. "Seria maravilhoso. É louvável o prêmio da Câmara, mas a organização deveria colaborar. E, quem sabe, reprisar os filmes talvez numa sala do CCBB", afirmou. A experiência, para Adriana, foi positiva: ouviu comentários elogiosos sobre o lirismo do curta. "Não é o mesmo público da noite. Há pessoas das equipes, das famílias. E é mais acessível, até por ser à tarde e com entrada franca", afirmou.