Diversão e Arte

V Festival Brasília de Cultura Popular destacou um Brasil apegado às raízes e às tradições populares

Irlam Rocha Lima
postado em 24/11/2009 11:13

No começo da madrugada desta segunda-feira, quando o som dos atabaques dos percussionistas do Ilê Aiyê ecoava pela região central de Brasília, chegava ao fim a longa maratona rítmico-sonora iniciada na noite de sexta-feira, no Setor de Difusão Cultural, atrás da Torre de TV. Durante três dias, um público médio de 3 mil pessoas, instalado em duas grandes tendas montadas no gramado da Funarte e adjacências, se envolveu prazerosamente com as artes dos mestres brincantes, participantes do V Festival Brasília de Cultura Popular.

Os baianos do Ilê Aiyê comandaram a festa no último domingo na área externa da FunarteAlém de apresentar um rico painel da cultura popular brasileira, o festival proporcionou a troca de experiência e informação de 240 músicos, cantores, dançarinos, atores e palhaços vindos de Pernambuco, Bahia, Sergipe, Alagoas, Goiás e da Colômbia, que aqui se juntaram aos brasilienses, responsáveis por nada menos que 20 espetáculos de diversas regiões do país.

Mais conhecido como Seu Estrelo, personagem místico do cerrado, o compositor, cantor e ator Tico Magalhães foi o curador do evento, que há cinco anos vem exibindo talentos de diferentes manifestações artísticas. Sem esquecer a condição de artista - talvez, por isso mesmo - Seu Estrelo, com o pessoal do Fuá do Terreiro, também brilha na mostra. Nesta quinta edição, houve dois momentos de destaque: o primeiro, na sexta-feira, quando o grupo se misturou aos fãs na tradicional roda (com a chegada do Calango Voador), transformando o evento numa grande mistura de música com arte circense.

A segunda foi no domingo, no lançamento do primeiro CD, com 13 faixas, entre as quais Fitas de Mariazia, Gavião e Baque do Seu Estrelo. O show contou com a participação das Juvelinas (grupo brasiliense de pife) e do Maracatu Piaba de Ouro (PE), e teve total interação com o público. "Para nós, arte é para ser compartilhada com o público. Não pode ser de outra forma", afirma o convicto Tico Magalhães.

Outra preocupação de Tico é fazer do evento um palco de grandes novidades. "Logo depois da realização do festival, já estamos com o pensamento voltado para a edição seguinte. Nos primeiros anos, tivemos que descobrir artistas e grupos e convidá-los. Ultimamente, muita gente já nos procura, facilitando, de certa forma, a tarefa de formatar a programação", revela.

Novidade
E o que não faltou nesta edição foi novidade. Dos grupos participantes, seis vieram a Brasília pela primeira vez: Passarinhos do Cerrado (GO), Carimbó Quente da Madrugada (PA), Mariene Castro e banda (BA), Baianas do Coqueiro Seco (AL) e Ilê Aiyê (BA). A eles se juntaram o colombiano Paito e Los Gaiteros de Punta Brava e o candango Mambembrincantes."%u201CTemos participado de festivais em várias partes do país, de Ouro Preto a Chapada dos Guimarães. Recentemente tomamos parte na Virada Cultural, em São Paulo. Estamos muito felizes por termos sido convidados para o festival da nossa cidade", comemora Chico Nogueira, líder do Mambembrincantes.

Dos convidados, os de presença mais frequente no encontro são os herdeiros do legendário Mestre Salú, de Olinda. Desta vez estiveram de volta o rabequeiro e cantor Maciel Salú e Manoelzinho Salustiano, acompanhado pelo Maracatu Piaba de Ouro. Além de serem protagonistas de apresentações arrebatadoras, eles tomaram parte em outro importante evento do festival: a roda de discussão Troca de Saberes.

"Temos levado ao festival nossa experiência como continuadores da arte de Mestre Salú, na preservação do maracatu de baque solto, que tem por base os versos de improviso. Da roda, uma das discussões mais vivas foi sobre a ação griô, o repasse de conhecimentos para os jovens, dentro da política do governo voltada para a cultura popular, que necessita de processo de renovação", afirma Manoelzinho.

Na variada programação de shows os outros destaques foram: o do Samba de Coco Raízes de Arcoverde (PE), na sexta-feira; o do Passarinhos do Cerrado, e, principalmente, do Carimbó Quente da Madrugada. Os músicos, cantores e dançarinos paraenses conseguiram total cumplicidade com os espectadores. Alguns deles, inclusive, subiram ao palco para cair na dança característica daquele estado.

Ouça a música "Gavião" com Seu Estrelo e Fuá do Terreiro

Mariene de Castro, aguardada como a maior atração de sábado, só surgiu em cena às 4h30 de domingo. Ritualista, levou os santos de sua devoção para o palco, tocou prato e soltou a voz bonita num repertório que privilegiou sambas de roda (assinados por compositores baianos como Roque Ferreira) e cantos de trabalho (como Abre caminho, Eu vi mamãe Oxum na cachoeira), além do clássico É D%u2019Oxum (Gerônimo) e de um pot pourri de Caymmi. Não chegou a ser um show empolgante, mas a cantora foi saudada como estrela por fãs brasilienses. Nos intervalos entre um show e outro, o Pé de Cerrado (sábado) e Zé do Pife e as Juvelinas (domingo) cuidaram de manter a galera acesa, tocando no segundo palco.

A programação de domingo foi aberta no fim da tarde com a Roda de Mamulengo e a performance do grupo alagoano Baianas do Coqueiro Seco, para público ainda pequeno. A partir do show de Paito e Los Gaiteros de Punta Brava, já com a presença de um número maior de pessoas, o clima da tenda principal esquentou. Os colombianos conquistaram o público com um som contagiante e boa presença cênica. Mas foi com a últimas atrações, Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro e o Ilê Aiyê, que a festa se espalhou por toda a tenda.

Representado por nove percussionistas, dois cantores e três dançarinos - todos exibindo a colorida indumentária da banda - o Ilê mostrou por que é um dos nomes mais criativos da música afro-baiana. Durante uma hora e meia, mostrou sucessos do samba-reggae como Deusa do ébano, Vou dar a volta no mundo e o clássico O mais belo dos belos, acompanhados pelas aplaudidas coreogafias.

Diretor do grupo, Carlos Bamba contou que o Ilê se apresentou recentemente em festivais no Timor Leste e em New Orleans (EUA). "Convocamos os brasilienses para, em fevereiro, acompanhar o saída do Ilê na subida do Curuzu (ladeira do bairro da Liberdade, no centro de Salvador), um dos momentos mais aguardados do carnaval baiano".

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