postado em 25/11/2009 08:24
No fim dos anos 1960, logo após concluir seu quarto longa-metragem, O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969), o cineasta baiano Glauber Rocha, sufocado pela insustentável condição de trabalhar num Brasil fustigado pela opressão, parte para o exílio, dando início a sua fase mais hermética no cinema. O primeiro projeto realizado no exterior pelo diretor seria o manifesto anticolonialista O leão de sete cabeças, produção inédita nos cinemas brasileiros e que acaba de ser agraciada com um investimento de R$ 960 mil da Secretaria de Cultura da Bahia, a partir do Fundo de Cultura da Bahia, para o projeto de restauração. A iniciativa foi anunciada na última segunda-feira, no Hotel Nacional, durante o 42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A notícia não poderia chegar em momento mais emblemático, justamente no ano em que Glauber Rocha completaria 70 anos.
"Todo mundo deve imaginar o quanto estou contente com a notícia", disse, bastante emocionada, Paloma Rocha, filha de Glauber. Acompanhada da avó Lúcia Rocha, mãe do diretor e idealizadora do Templo Glauber - instituição no Rio de Janeiro destinada a preservar a obra do artista baiano -, Paloma destacou a importância do projeto na preservação dos trabalhos do pai. "Mais uma vez, o Festival de Brasília acolhe o Templo Glauber, espaço que é exemplo da incansável luta de Lúcia Rocha. Esse incentivo é bem-vindo, diante da dificuldade em apresentar continuidade ao nosso projeto de resgate da obra de Glauber", destaca.
Todo rodado na República Popular do Congo, em 1970, o filme, uma produção italiana lançada na época na França, nunca foi exibido em circuito comercial no Brasil. Os negativos originais da obra até hoje se encontram perdidos. "Após uma prospecção internacional, o Tempo Glauber localizou na Cineteca Nazionalle di Roma os internegativos do filme com versão sonora em italiano e uma cópia com a versão sonora original", explica Paloma. Esse material, localizado na Itália, com uma cópia em 35mm, com legendas em português, encontrado, por acaso, por Kátia Chavarry, assessora de cinema do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, nos anos 1980, servirá de base para o processo de recuperação de O leão de sete cabeças. "Utilizaremos tecnologia semelhante a adotada na restauração do O Dragão da maldade contra o santo guerreiro, realizada, em 2007, em Londres", conta Paloma, que anunciou a exibição do filme na abertura do Festival de Brasília de 2010. "Fiz o convite informal com a esperança de ver essa obra aqui. Seria muito importante para o festival", confirma Fernando Adolfo, coordenador-geral do Festival de Brasília.
Parceria
A coordenação técnica do processo de restauração da obra, sob direção de Paloma e curadoria do cineasta Joel Pizzini, será realizada pela Cinemateca Brasileira, em parceria com os Estúdios Mega. Outro parceiro do projeto é a Associação Baiana de Cinema e Vídeo - ABCV. Um esforço que consumirá 12 meses de minucioso trabalho irá gerar uma matriz restaurada, em 35mm, que dará acesso à novas cópias para distribuição nos cinemas e em DVD. "A partir dessa iniciativa da Secretaria de Cultura da Bahia, vamos dar início à divulgação de uma fase de Glauber pouco conhecida no Brasil", antecipou Paloma.
Para o secretário de Cultura da Bahia, Márcio Meirelles, a iniciativa é um importante passo não apenas na preservação da memória do país, mas na fomentação de novos polos de cultura. "Iniciativas como essas nos ajudam a avançar em novas ideologias e novas identidades", observa o secretário, que acalenta a ideia de criar em Salvador uma filial do Templo Glauber. "É uma tentativa, de alguma forma, trazer o Glauber de volta para a Bahia, que para nós é mais do que um ícone", defende.
Um Brasil na África
Após realizar quatro produções no Brasil, sendo três delas obras significativas do movimento Cinema Novo - Deus e o diabo na terra do sol (1964), Terra em transe (1967) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969) -, o diretor baiano Glauber Rocha (1939-1981) deixou o país, exilando-se na África, onde realizaria dois projetos, Cabeças cortadas e O leão de sete cabeças.
Claro manifesto contra a colonização dos países europeus no continente africano, o filme acentua, logo no início, com um título original em vários idiomas - alemão (Der Leone), inglês (have), francês (sept) e português (cabeças) - o discurso glauberiano em favor dos povos terceiro-mundistas.
Contando com um elenco multinacional encabeçado pelos atores Hugo Carvana e o francês Jean-Pierre Léaud (alterego de François Truffaut em Os incompreendidos), traz, dentro de narrativa anárquica, os conflitos entre o colonizador, o colonizado e os revolucionários. "É uma história geral do colonialismo euroamericano na África, uma epopeia africana, preocupada em pensar do ponto de vista do homem do Terceiro Mundo. (%u2026). É uma teoria sobre a possibilidade de um cinema político. Escolhi a África porque me parece um continente com problemas semelhantes aos do Brasil", escreveu Glauber Rocha logo depois do filme.