Diversão e Arte

Confira trecho da palestra de Affonso Romano de Sant'Anna

postado em 01/12/2009 07:00



As muitas mortes e muitas vidas da poesia
Discurso de abertura do escritor Affonso Romano de Sant;anna na 1; BIP (trecho):


"Portanto, quase 60 anos de vivência literária autorizam-me, creio, a algumas observações. Primeiro, a descoberta traumática para o jovem e idealista, que julgava fosse o ambiente artístico um coro de querubins e serafins, todos platonicamente pensando no bem, no belo e no verdadeiro, e a dura constatação de que o ambiente artístico (e da poesia) é igual ao da bolsa de valores, espaço de competição feroz como na sociedade capitalista, que, onde se supõe haver uma arcádia de escolhidos, nos surpreende às vezes um serpentário, um butantã, onde a territorialidade de cada um é defendida com unhas e dentes (e algum veneno).

Talvez seja por isto que minha poesia metaforize aqui e ali a vida artística e faça alegorias sobre o que tenho chamado de "luta pelo poder literário", posto que os poetas são também humanos, demasiadamente humanos. E isto me faz lembrar de Paulo Mendes Campos, no Poema Didático:

"O mundo, companheiro, não é um desenho de metafísicas magníficas como eu supus outrora / Nele como causa primeira existe o homem, cabeça, tronco, membros, aspirações ao bem-estar / e só depois mágoas e aflições de espírito".

A segunda, e concomitante, descoberta foi extremamente positiva. Constatar que não só os poetas, mas as pessoas mais comuns, carecem visceralmente também de poesia, que a poesia modifica a existência dos indivíduos e que os poetas podem exercer um delicado e perigoso poder sobre os leitores. Temos todos experiências tocantes de como pessoas descobriram o amor, tomaram decisões cruciais em suas vidas ou mesmo como interferimos na vida política e social do País, através da poesia. Assim, desenvolve-se um paradoxo: a poesia que dizem não servir para nada está na essência da vida, e descobrimos que a poesia corrige a física, pois, como disse num poema, "na poesia nada se perde, o nada se cria e o nada se transforma".

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