Irlam Rocha Lima
postado em 02/12/2009 08:23
Um dos momentos mais aguardados da programação anual do Clube do Choro é o show de Hermeto Pascoal, que geralmente ocorre este mês. O genial multi-instrumentista albino tem feito apresentações antológicas na capital, nas quais promove, com naturalidade, a fusão da riqueza rítmica brasileira com sons do jazz, usando para isso sua insuperável capacidade de improvisação. "Não consigo tocar uma música duas vezes da mesma maneira. Se a gente faz isso, soa repetitivo", afirma.
Há pouco mais de um mês, Hermeto esteve na cidade, quando foi homenageado por Hamilton de Holanda, em concerto na área externa do Conjunto Cultural da República, na Esplanada dos Ministérios. Em sua volta, num ambiente mais intimista, ele participa do projeto Dorival para Sempre Caymmi, de hoje a sexta-feira, às 21h45, tendo a companhia no palco do percussionista Fábio Pascoal e da cantora Aline Morena (do seu grupo) e do trio brasiliense Cai Dentro, integrado por Henrique Neto (violão sete cordas), Rafalel dos Anjos (violão seis cordas), que terá o reforço do baixista Hamilton Pinheiro.
"Fazer som no Clube do Choro é muito especial, porque é um ambiente que respira música, com abertura para todos os estilos. Do samba ao baião, do choro ao jazz. As pessoas que vão assistir aos shows são muito informadas e sabem apreciar o que ouvem. No meio da plateia há sempre jovens músicos, que estudam na Escola de Choro e demonstram muito interesse em relação ao trabalhos dos artistas", elogia o mestre.
Segundo Hermeto, tomar parte em projeto que homenageia Dorival Caymmi é uma honra. "Conheci o Caymmi nos bastidores da TV Record, na década de 1960, quando morei em São Paulo e acompanhava vários cantores em programas da emissora. Era um cara superbancana, que mesmo com uma obra de reconhecida importância para a MPB nunca foi de botar banca. Tratava os músicos com gentileza e os respeitava", lembra.
O "bruxo do som" revela que sua atual mulher e cantora, a gaúcha Aline Morena (com quem, também, forma um duo), quis homenagear Caymmi quando assumiu nome artístico, numa referência às canções Marina e Rosa Morena, clássicos da obra do patriarca da música baiana. "No show, ela vai cantar Rosa Morena, e juntamente com o trio e o Fábio, vamos mostrar arranjos de composições dele", antecipa.
No repertório não faltarão Bebê, Chorinho para ele, Mambo e Capivara, e a elas se juntarão as ainda inéditas Aline frevando, Divina milonga, Viola caipira no choro. "Não costumo seguir o roteiro ao pé da letra, até porque deixo o som fluir e rolar de forma natural. Mesmo adorando improvisar, ultimamente tenho dado oportunidade ao público de curtir minhas composições, sem muitas alterações. O mais importante, porém, é promover a confraternização das pessoas por meio do som."
Hermeto Pascoal
Show do multi-instrumentista, acompanhado por Fábio Pascoal (percussão), Aline Morena (voz), o Trio Cai Dentro e o baixista Hamilton Pinheiro, de hoje a sexta-feira, às 21h45. No Clube do Choro (Eixo Monumental, ao lado do Centro de Convenções Ulysses Guimarães). Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia para estudante). Não recomendado para menores de 14 anos. Informações: 3224-0599.
De Arapiraca para o mundo
Aos 73 anos, Hermeto vive em Curitiba desde 2002. "Tomei a capital do Paraná com base de apoio. Hoje, com o suporte da internet, não é necessário mais morar no Rio de Janeiro ou São Paulo. Daqui saio para cumprir meus compromissos no Brasil e no exterior. Acabo de retornar de uma turnê pela Argentina (Buenos Aires) e Chile (Santiago). Na capital portenha estive, também, à frente de um workshow sobre criação musical", conta.
Natural de Olho D%u2019Água e criado em Lagoa da Canoa, município de Arapiraca (AL), Hermeto iniciou-se na música no começo da adolescência, ainda em sua terra natal. Aos 14 anos, mudou-se para Recife e com a ajuda de Sivuca passou a fazer parte do cast da Rádio Jornal do Comércio. Em 1958, foi para o Rio. "Quando cheguei ao Rio fui tocar sanfona no regional de Pernambuco do Pandeiro, na Rádio Mauá; e piano nos conjuntos de Fafá Lemos (na boate do violinista) e do maestro Copinha (flautista e saxofonista), no Hotel Excelsior - ambos em Copacabana."
Mas ele ganhou mais prestígio ao se juntar a Théo de Barros (violão e contrabaixo), Heraldo do Monte (guitarra e violão) e Airto Moreira (percussão), principalmente depois de acompanhar Edu Lobo em Ponteio, música vencedora do Festival da Record de 1967. "À convite de Airto e Flora Purim viajei para os Estados Unidos, em 1969. Lá, gravei com eles dois LPs, atuando como compositor, arranjador e instrumentista. Foi quando conheci Miles Davis e gravei com ele Nem um talvez e Igrejinha, de minha autoria", recorda- se.
Referência para instrumentistas brasileiros de diferentes gerações, Hermeto, atualmente desenvolve projetos com várias formações. "Tenho trabalhado ao lado de Aline Moreno, e com meu grupo (formado há 30 anos), big bandas e orquestras sinfônicas. Músico, para mim, não tem idade. Tem é que me surpreender. Felizmente, ouvi vários jovens instrumentistas aqui no Brasil, que estão nesse caso. Músicos como Hamilton de Holanda, Rogerinho, Gabriel Grossi, Daniel Santiago, que conheci na adolescência. Hoje, vou tocar com esses meninos do Cai Dentro, formados na Escola de Choro, da qual agora são professores", festeja.