postado em 02/12/2009 08:30
No 1º de fevereiro de 2008, sexta-feira, véspera de carnaval, ele acordou assustado, às três madrugada. Com os olhos semicerrados de sono, apanhou caderno e caneta preta e pôs-se a escrever. Fechou duas páginas inteiras. Voltou a dormir. Quando despertou de vez, com o sol alto, assombrou-se com o que havia feito há poucas horas. As duas primeiras folhas do romance Pontal do Pilar estavam prontas, impecáveis. "Já estava ali a trama do livro. Quatro personagens: um triângulo amoroso e o pai da mulher. Fiquei meio absorto com tudo aquilo. Não sabia o que era", exclama o letrista, músico e poeta de mais de 40 anos de carreira, Paulo César Pinheiro.
Até hoje, ele ainda não se arrisca a explicar como se deu a origem de seu primeiro romance. "Foi um processo que não entendi. Não busco explicar filosoficamente ou misticamente. Fiz e pronto, acabou. Escorreu da minha mão como se fosse psicografia", revela. Finalizado em 10 de fevereiro, Pontal do Pilar é absolutamente ficcional e imaginativo, segundo revela Paulo César. De referência à realidade, ele diz que talvez o cenário de beira-mar tenha saído de sua relação íntima com o litoral de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, onde viveu boa parte da infância.
Fora isso, o vilarejo de Pontal do Pilar, que ganhou vida nos desenhos do ilustrador Marcílio Godoi, apareceu do nada, naquela madrugada febril e inexplicável. Desenhos de Godoi aparecem aqui e ali, iniciando e finalizando capítulos. A árvore genealógica dos personagens, impressa no fim do volume, e a capa, também saíram das mãos dele. E Paulo César não compreende a semelhança do mapa do Pilar com Angra dos Reis. "Quando ele me mostrou, tomei um susto. Era muito parecido com Angra. E ele nunca havia passado por lá. Foi inventado a partir do que descrevi", diz o escritor.
Popular e erudito
O romance é multifacetado e apresenta personagens novos - são quase 60, ao todo - a cada capítulo. Com uma linguagem ao mesmo tempo popular e erudita, o autor desfia situações dramática e eróticas de maneira intensa. "Quando os personagens apareciam, eu via cada um, entrava no espírito de cada um. Quando falava deles, pensava como eles", reflete. As locações são descritas com a acuidade e musicalidade de um homem que já versou mais de duas mil canções. "É uma história de muitas histórias passadas à beira do mar, em cais e até em pé de serra", explica.
Paulo César, que possui 10 livros de poesia, quatro publicados e seis engavetados, mal havia finalizado Pontal do Pilar e já partira para outros dois romances: Matinta, o bruxo e Santa e meretriz. Inspirado na canção Matinta perê, composta a quatro mãos ao lado de Tom Jobim, o segundo livro deve ser lançado ano que vem. Já seu terceiro romance, ele programa para 2011. De produção febril, as três primeiras obras de prosa do letrista foram escritas em apenas seis meses. Cansado, Paulo César se voltou para a produção musical, mas já pensa em iniciar seu quarto romance, que também deve ter enredo de características regionais. "Sempre fui apaixonado pela terra, pelas suas diversas linguagens e sotaques. Já rodei muito pelo Brasil. Mesmo sendo do subúrbio carioca, ainda não consegui escrever uma obra urbana. Isso daí a gente não domina. A gente é escolhido. Estou a serviço da literatura e ela me carrega por aí", define-se.
Sempre profícuo
O currículo musical de Paulo César Pinheiro é gigantesco. São 46 anos de ininterrupta produção lírica e melódica, que começou cedo, aos 15 anos, ao lado de João de Aquino e depois de Baden Powell, primo de Aquino. Dentre as mais de 2 mil composições, a primeira a ser gravada foi Lapinha, na voz de Elis Regina. A canção venceu a I Bienal do Samba, da TV Record, naquele mesmo ano. São cerca de mil músicas gravadas, 150 parceiros letristas e dez discos gravados - sendo um de poesias suas. Clara Nunes, com que já foi casado, Elizeth Cardoso e João Nogueiras são apenas três dos principais intérpretes das letras do agora escritor de romances.
PONTAL DO PILAR
De Paulo César Pinheiro. Leya, 136 páginas. R$ 34,90.