Nahima Maciel
postado em 06/12/2009 14:27
Berilo Carvalho hesitou em inscrever o conto Precário como um limite no concurso Machado de Assis do Prêmio Sesc de Literatura 2009. O edital falava em textos que exaltassem valores morais e sociais. O personagem de Carvalho mergulha num delírio e mata a esposa traidora. Depois de conversar com organizadores do concurso, o autor achou que o tema poderia ser interessante e inscreveu o texto. Levou o primeiro lugar, R$ 2.000 e o direito a ser publicado em coletânea com outros 15 selecionados. Recebeu o ;gás; necessário para desistir da vida de concurseiro e cair de vez na literatura.Carvalho, 34 anos, nasceu em Parnaíba (Piauí) e veio para Brasília em 2003 depois de pedir demissão do Banco do Brasil para tentar um emprego na capital. Formado em contabilidade, achou que poderia se tornar professor de matemática com certa facilidade. Amargou um ano de desemprego até começar a se enfronhar nos concursos. Passou para um cargo no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), enquanto cursava Letras na Universidade de Brasília (UnB) e se instalou no Gama com um irmão. Tranquilo e empregado, voltou a se debruçar sobre a escrita praticada desde a infância, quando tomava conta da mercearia do pai no Piauí.
Carvalho acredita que a literatura nasce de suas leituras. Precário como um limite é fruto de um mix de influências e referências ecléticas. Dos escritores de best-sellers Sidney Sheldon e Stephen King ao reacionário Nelson Rodrigues e ao russo Dostoiévsky, o autor leu de tudo. ;Todo mundo fala de Sidney Sheldon como uma coisa ruim, mas, para um garoto que está começando a ler, acho legal;, opina.
Culpa e neurose
O conto premiado tem mais de Rodrigues e Dostoiévsky do que das tramas de suspense dos norte-americanos. ;Gosto de falar das lamas que a gente traz dentro da gente, das misérias. Queria que meu personagem se espantasse com o que ele era capaz de fazer. É um personagem no limite entre a vida e a morte. Ele mergulha no sonho como se aquilo realmente estivesse acontecendo.; Guiado pela culpa, tema recorrente de Crime e castigo, e pela neurose de Alaíde, heroína de Vestido de noiva, o autor concebeu uma trama na qual o personagem se surpreende capaz de se excitar com a maldade dos planos colocados em prática.
O formato conto também é importante na motivação de Carvalho. A dificuldade em encerrar as histórias costuma marcar o processo. ;Quando sai a cabeça do menino, eu prendo no pescoço. Tenho dificuldade em sangrar o conto até o final;, brinca o autor, que tem projetos para um romance, mas ainda hesita em dar continuidade a uma narrativa longa. Enquanto não engrena em projeto de maior densidade, diverte-se com comédia. Em parceria com uma amiga, montou o o folhetim Desgraça pouca é bobagem, atualizado semanalmente no blog www.ovelhopolis.blogs.sapo.pt. ;É um besteirol, uma bobagem, mas uma bobagem tão gostosa de fazer!” A história se passa na cidade de Ovelhópolis e tem desencadeamentos que satirizam os dramalhões de novelas televisivas.
Agora que o concurso do Sesc vai colocar a escrita de Carvalho em livro, ele até se anima para pensar em um dia publicar a saga da Desgraça. ;O prêmio me deu esse gás. Foi o primeiro dinheiro que ganhei com algo que escrevi, mas esse olhar do outro, ser publicado, ver que alguém está te lendo, é muito importante. Dinheiro é muito bom, claro, mas essa oportunidade de ser visto e lido é muito maior. Agora eu disse ;dane-se concurso, vou tentar fazer literatura;;.