postado em 07/12/2009 09:28
No próximo domingo (13/12), o escultor Tatti Moreno põe fim a uma batalha de quase três anos. Dois caminhões saem de Salvador rumo a Brasília com o panteão de 16 orixás. A viagem é prenúncio da vitória sobre uma incabível demora burocrática que custou não só prejuízo financeiro, mas, sobretudo, desrespeito a um dos mais importantes artistas do país. Da turma de criadores que orbitavam em torno do casal Jorge Amado e Zélia Gattai, ele construiu uma trajetória respeitada pela fusão entre religiosidade e arte. Assim como Carybé, Calasans Neto e Mário Cravo.
- Quando chegava a Brasília e via a Prainha do Lago Paranoá (com os orixás destruídos) daquele jeito, sentia como se estivesse num cemitério de guerra, conta Tatti Moreno.
O descaso com as esculturas da Prainha começou logo após o réveillon de 2007, quando o artista, depois de trabalhar em regime de urgência com equipe de 16 homens, não recebeu a verba destinada à recuperação do conjunto de orixás, que sucessivamente vinha sendo depredado por vândalos. Retirou tudo e levou de volta para Salvador.
- Aí começa a guerra. Perdi a conta do número de vezes que fui a Brasília, certamente mais de 30. Ouvi falar de coisas horríveis, uma delas a de que o projeto parou porque líderes do governo eram evangélicos e não viam com bons olhos os orixás. Não desisti, até ser acolhido pelo Ministério da Cultura, que finalmente deu ordem de pagamento, observa o escultor.
Com esculturas permanentes dos orixás em Salvador e no Rio de Janeiro, Tatti Moreno quer descansar o coração com a instalação das esculturas na Prainha. Mas teme que as peças fiquem à mercê da ação de vândalos. O GDF empenhou a palavra para recuperar a Prainha a tempo de receber o panteão de orixás.
- Houve uma promessa de investimentos em infraestrutura, segurança, limpeza, monitoramento 24 horas com câmeras, pois se trata de um bem público, lembra Tatti Moreno(1).
A preocupação do artista faz sentido. Ele chorou ao telefone quando soube pela reportagem do Correio que suas peças foram atacadas, decapitadas e queimadas, em forte indício de intolerância religiosa.
- Nunca vou me esquecer daquele dia, do forte sentimento de dor. Convoco todo o povo da religião afro-brasileira que defenda a Prainha e seus orixás. É um espaço também de arte e de turismo, destaca.
Tatti Moreno lembra que, para os que têm fé, os orixás são forças da natureza e, como tais, sentem-se aborrecidos com o destrato que as atuais autoridades do Distrito Federal tratam o espaço da Prainha.
- Há muito os seres da natureza também estão possessos com o processo de desonestidade na política, pontua.
Outro ciclo
Tatti Moreno agora trabalha para a exposição de totens de 2,40m que vão correr em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. São 12 peças em latão e bronze fundidos, cada uma com 400 quilos. Está em ritmo intenso de trabalho na oficina em Salvador, onde suas obras estão espalhadas pelos quatro cantos da cidade, como, por exemplo, à porta da Casa de Jorge Amado. "Na entrada, tem um Exu meu que foi plantado por Mãe Stella de Oxóssi", conta.