postado em 12/12/2009 07:00
Confira trechos do livro Bazar Oió: a ditadura contra a livraria, da jornalista Lúcia Tormin Mollo, que será lançado nesta segunda-feira, no restaurante Carpe Diem (104 Sul). "É um dia marcante. A escritora está sendo apresentada hoje, em 1965, à nata literária de Goiás. São muitos os escritores presentes. Não há melhor local para tal apresentação. Aos 76 anos, Cora Coralina estréia no mundo literário com a sua obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. O GEN, na figura de Miguel Jorge, foi quem a trouxe. Depois que conheceu a obra escrita daquela senhora que ganhava a vida com deliciosos doces caseiros, não houve dúvida.
; Eu falei: ;Cora, a sua geração não te conhece;. Ela, ;eles viram a cara pra mim;. "Então nós vamos fazer o lançamento do seu livro;. E fizemos no Bazar Oió. E ela passou a ser figura do GEN, como convidada de honra do grupo, que já era mais velha (Miguel Jorge).
[SAIBAMAIS]Neste ambiente político e social, começamos a reparar em mais detalhes, nas ações e reações das pessoas, na troca de olhares e gestos que podem ter inúmeros significados. Em uma cidade pequena e conservadora como a Goiânia dos anos 60, a fofoca corre rápido e não é bom levantarmos suspeitas. Parecemos até um pouco paranóicos, mas enfim deu resultado. Vemos algo interessante.
Dono da livraria, Olavo Tormin entra pela porta que dá para os fundos. Conversa algo com um dos funcionários e este vai em direção ao local de onde o chefe acabara de sair. Pode não ser nada, talvez um pedido de reposição do estoque ou de faxina na área dos fundos. Mas, vamos atrás mesmo assim:
- Na revolução de 64, essa casa (que ficava nos fundos) serviu de ;bunker; para escritores goianos perseguidos pela revolução. Dentre eles, Carmo Bernardo e Bernardo Élis. O Olavo inclusive levava comida escondida pra eles por muitos dias (Luiz Scartezini).
- Jubé, Alaor Barbosa, Eli Brasiliense, Antônio José de Moura, Domingos Félix (Gabriel Nascente).
- Eu sabia que tinha esse lugar, mas eu nunca fui lá. Nunca tive curiosidade de ir, mas sabia que tinha, onde ele escondia os amigos. Ele era um homem corajoso. É claro que ele não iria falar as coisas desnecessariamente, mas coragem de fazer e de assumir se fosse o caso, ele tinha (Modesto Gomes).
Voltemos à frente do Bazar Oió, só que desta vez nem um terço do movimento de antigamente.
- Por quanto tempo o senhor freqüentou o Bazar?
- Enquanto ele esteve lá, eu diria. Até que a ;borrasca; o fechou. "Borrasca", na minha opinião, é o nome que eu dou para aquilo que eles chamam de "a revolução" de 64 (Pereira Zeka).
- Depois da revolução, parou. Foi parando. Depois que prenderam o seu avô ficou muito difícil a situação financeira, a situação psicológica, o medo. A repressão, sabe? Sempre estava indo gente do exército lá, gente da Polícia Federal. Ficou uma situação muito difícil pra seu avô, pra ele tocar o negócio. Foi indo até acabar e acabou (Clóvis Carrilho).
O espaço é realmente grande, amplo. Pra você ter uma idéia são quatro portas de aço na entrada. Do lado esquerdo, livros. No meio, prateleiras com mais livros. Do lado direito, uma papelaria.
; Se o Bazar Oió fosse dividido em literatura e vendesse livro de escritor, tinha falido. Vendia livro também didático, material escolar (Bariani Ortêncio).
; Era uma teimosia ter uma livraria naquela época em Goiânia. Dinheiro só no começo das aulas, depois, ato histórico (Luiz Scartezini, livreiro).
O "espaço intelectual" criado pelos irmãos Olavo e Othelo Tormin foi inaugurado em 1951. Oió? É: Oió. O nome dá margem a muitas interpretações. A explicação, se é que é necessário dar uma (pois às vezes a nossa imaginação é bem mais criativa), é que cada letra "O" se refere à inicial dos dois nomes.
Os irmãos faziam uma boa parceria. Ambos eram muito comunicativos e atraíam uma boa clientela para a livraria. Não se sabe ao certo o porquê da saída de Othelo, mas não demorou muito e só um continuou com o negócio. Othelo partiu para as praias quentes da Bahia.
No meio das conversas que se misturam, os assuntos se completam, quase se abraçando. Literatura ; com uma pitada de política ; e assuntos corriqueiros de cada dia. Com direito a um fundo musical da Rádio Riviera, a poltronas confortáveis, cafezinho e água. Alguns, calados, folheiam as últimas novidades.
; O Bazar Oió era o ponto do "café society; (Gabriel Nascente, poeta).
; Ele (Olavo Tormin) foi uma espécie de sucedâneo não organizado e não dirigido do café literário (Pereira Zeka).
; Era um ambiente de descanso. Estava andando no centro, cansou por alguma coisa, entrava lá, pegava um livro, sentava, lia um pouquinho, repunha o livro na estante. Era um ponto de parada, certo? (Luiz de Aquino, poeta).