Nos corredores da edição mais recente do 42; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o jornalista e cineasta Gil Pedro ouviu comentários que, para ele, soaram quase inacreditáveis. Pouco depois da sessão do curta-metragem Rock Ceilândia ; Periférico e coletivo, concorrente ao Candango na mostra digital, encontrou espectadores espantados com a descoberta de que a cena musical da região administrativa mais populosa do Distrito Federal ; com cerca 365 mil habitantes ; não respira apenas hip-hop e forró. ;As pessoas perguntavam: mas Ceilândia não é a capital do grafite, do rap? Pode parecer impressionante, mas há bandas de rock com 15 anos de estrada que são totalmente desconhecidas fora da cidade;, observa o diretor.
Músico há 20 anos, Gil tocou bateria em grupos como 5 Generais, Gangorra e Bazar Band. Vive em Ceilândia desde criança, onde cresceu ao som de rock ;n; roll. Na estreia como cineasta, optou por um tema que, para ele, soa familiar. O documentário, desenvolvido com ajuda de amigos e a custo irrisório (a equipe gastou R$ 100 para produzir uma cópia em beta, formato exigido por comissões de festivais ; e só), cobra atenção para um traço pouco notado da cultura ceilandense: o rugido das guitarras. Com 20 minutos de duração, e a crueza de um refrão punk, o curta apresenta um retrato instantâneo (e, até certo ponto, esperançoso) do rock local. ;Apesar de abrir o filme com imagens da construção de Ceilândia, o importante é mostrar que essas bandas existem;, explica Renato Rhugas, produtor do filme (também fundamental na equipe, Oldair Vieira cuidou da edição).
Ainda que sem o alcance do hip-hop, o rock exerce tremores subterrâneos na cidade. Entre os músicos, é unânime a impressão de que a cena passa por um momento de entusiasmo. Ainda assim, eles enfrentam antigas dificuldades: a carência de um circuito de shows, a escassez de incentivos (públicos e privados), a sensação de isolamento em relação ao centro do DF. ;Em meio a todos os problemas, estamos resistindo. Há festivais que reúnem 4 mil pessoas;, observa Márcio, vocalista do punk Os Maltrapilhos. Há 15 anos no batente, o quarteto já se apresentou no Porão do Rock (em 2006) e teve CD lançado em Portugal. ;No início da banda, era tudo precário: ninguém tinha instrumentos, a gente ensaiava no fundo do quintal. O pai reclamava que não aguentava mais o barulho;, lembra.
Ao lado do quarteto de blues-rock Terno Elétrico, que lançou o disco de estreia em 2009, Os Maltrapilhos é o nome mais conhecido do documentário. Divide a cena com bandas como Barbarella, Body in Flames, Atritus, Whisky 74, Guariroba Blues, Vitalógica, 9 Milímetros e Os Homi Rapaz Si Minino. Entre elas, predomina o espírito de coletividade e o gosto pelos sons pesados ; do punk ao hard rock ; e por versos que espelham o cotidiano. Curiosamente, a vocação para o protesto revela um certo parentesco com o hip-hop made in Ceilândia. ;Escuto muito Câmbio Negro, Cirurgia Moral, Racionais. Assimilo as letras, o tom de indignação;, afirma Márcio, 34 anos.
Ao combate
Para João Frajola, vocalista do Terno Elétrico, 40 anos, a atitude combativa está no DNA do rock ceilandense. ;Talvez o diferencial esteja aí;, observa. Ainda assim, aprendeu a conviver com o estranhamento provocado sempre que o grupo afirma a origem. ;Quando falávamos que somos uma banda de rock de Ceilândia, as pessoas nos olhavam um pouco diferente. Na nossa música, tentamos mostrar a cidade, mas sem cair no panfletário;, resume. Uma das canções do grupo, Avenida H. Prates, narra as impressões de um personagem que atravessa a principal via da região. ;A cidade produz rock de qualidade. O que falta é se espalhar, promover intercâmbio, sem bairrismo;, aposta.
Confira trechos do documentário Rock Ceilândia - Periférico e coletivo
De forma independente e com teimosia, o circuito roqueiro se espalha na programação de dois bares (Garagem Cultural e Cio das Artes) e em festivais como o já tradicional Ferrock, o Rock na Veia e o Rock na Rua. ;O rock é uma bandeira, um instrumento forte, socialmente falando;, comenta o produtor do evento, Ari de Barros, em cena do documentário. Com cartazes que combinam Woodstock com Che Guevara, o Ferrock prega a ;revolução do rock; desde 1986. É inspiração para promessas como o Bonecas de Trapo, trio de punk e grunge formado só por meninas, em atividade desde 2004. ;Para uma banda de rock de Ceilândia, é difícil até receber pagamento. Quem toca hip-hop e forró ganha cachê. Para o rock, nada. Mas queremos crescer;, diz a vocalista Deydi. O barulho, pelo visto, não vai cessar.
Produto interno bruto
Conheça algumas bandas que estão no documentário Rock Ceilândia
Os Maltrapilhos
; Sob influência do punk, a banda combina o peso do gênero com uma artilharia de versos indignados. ;Nutridos pela revolta e manifestados pelo ódio;, como avisam no MySpace, eles têm dois discos gravados: Desemprego e desespero, de 2006, e Descaso, de 2008. Ouça em www.myspace.com/osmaltrapilhos.
Terno Elétrico
; Com doses generosas de blues e rock ;n; roll, o quinteto Terno Elétrico ligou a tomada em 1992 ; mas só lançou o primeiro disco este ano. ;O rock sempre teve força em Ceilândia. Mas muitas bandas pararam por não verem um caminho;, comenta o vocalista João Frajola. Ouça em www.myspace.com/ternoeletrico.
Bonecas de Trapo
; O nome veio da música Rag doll, do Aerosmith, mas a banda inspira-se principalmente na fúria grunge de Hole, L7 e Nirvana. Com boa experiência de palco, Deydi, Cilene e Raiane arrepiaram marmanjos no Ferrock e pelo 1; Festival Nacional de Punk Feminino (em Goiânia, em 2006). No momento, gravam músicas em estúdio caseiro. Ouça em www.myspace.com/bonecasdetrapo.
Atritus
;A batida punk pulsa violentamente no som da banda ; mas o tempero é bem-humorado. Formado no começo de 2004. Os ;cinco loucos; escrevem versos que vão do protesto à esculhambação. Invadem a internet muita ;cachaça, mulher e rock ;n; roll;. Ouça em www.myspace.com/atritus.
Vitalógica
;Em faixas como A volta e Conspiração, o quarteto usa riffs de hard rock para embalar versos que mostram influência de rock dos anos 1980. A banda tem no currículo participação em cooperativa de rock e em projetos de música em escolas. Ouça em www.myspace.com/bandavitalogica.