Irlam Rocha Lima
postado em 17/12/2009 08:43
A primeira vez que Maria Bethânia esteve em Brasília foi ao lado do ator Ítalo Rossi, nos anos 1960,com a peça Brasileiro, profissão esperança, apresentada na Sala Martins Pena. Depois, ficou um longo período ausente, pois se negava a fazer show aqui durante a vigência da ditadura militar. Com a redemocratização do país, nenhuma das turnês da cantora deixou de passar pela cidade.
"Gosto de cantar em Brasília, onde sou acolhida com carinho por pessoas interessadas, respeitosas, sérias, bem informadas culturalmente. Acredito que elas são as responsáveis pela existência de um festival de cinema que é o mais importante do país. Quando vou à cidade com tempo, costumo fazer passeios, mas sempre pelo lado oposto de onde estão os políticos", destaca.
Ela está de volta agora com o espetáculo Amor, festa e devoção, que estreou no fim de outubro no Rio de Janeiro (Canecão) e chega à capital depois de passar por Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. O show se baseia em Tua e Encanteria, CDs lançados pela Biscoito Fino - ambos de músicas inéditas. O primeiro de introspectivas canções de amor, e o outro com o qual celebra sua crença e reafirma a baianidade.
O título escolhido é o mote dos dois trabalhos e, segundo Bethânia, traz "palavras que me dão norte e que têm como subtexto a fé, a esperança e a caridade, características fortes em minha mãe". Não por acaso, Amor, festa e devoção é dedicado a Dona Canô. "Sua energia, seu espírito para com a vida, os seus 102 anos são aprendizados. Só agora consigo traduzir em música, intenção e gesto tudo o que ela representa para mim", afirma.
[SAIBAMAIS]Dirigido por Bia Lessa, responsável também pelo cenário, o show tem roteiro criado, como de hábito, pela própria Bethânia, assessorada por Fauzi Arap. Desta vez, a cantora traz em sua companhia uma banda menor, liderada pelo violonista, guitarrista e arranjador Jaime Álem e formada por Jorge Helder (baixo e violão), Carlos César (bateria e percussão), Marco Lobo e Reginaldo Vargas (percussão) e Vítor Gonçalves (piano e acordeon).
Pequenas fotos
Bethânia pediu a Bia um cenário nada muito enfeitado, que refletisse a simplicidade da proposta do show. A encenadora então criou um chão salpicado de rosas vermelhas, um manto com rosas no mesmo tom e discretas luzes que alternam cores, posição e ritmo quando piscam. Há também pequenos quadros com fotos de fachadas de casas populares do interior do Nordeste, feitas por Anna Mariana, que retratam a fé, as pessoas, as coisas do Brasil interiorano, caipira, sertanejo e litorâneo, tão presentes no canto da Abelha Rainha. A luz é do premiado cineasta Lauro Escorel.
Embora haja predominância das canções do Tua e do Encanteria, como Santa Bárbara (cantada na abertura), Feita na Bahia, Coroa do mar, É o amor outra vez, Tua, Você perdeu e O nunca mais, foram incorporadas ao roteiro músicas que marcaram a carreira da artista. Entre elas, estão Vida (Chico Buarque), Explode coração (Gonzaguinha), Drama (Caetano Veloso) e É o amor (Zezé Di Camargo e Luciano). Chama a atenção Balada de Gisberta, do português Pedro Abrunhosa, composta em homenagem a uma transexual brasileira, assassinada no Porto, em fevereiro de 2006.
Amor, festa e devoção
Show de Maria Bethânia e banda, com direção e cenário de Bia Lessa, hoje e amanhã, às 21h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Ingressos: R$ 300 e R$ 150 (meia para estudantes, professores, portadores de dificuldades de locomoção, idosos e doadores de 1 quilo de alimento não perecível).
Informações 3325-6240. Não recomendado para menores de 12 anos.
Feito na Bahia e confira o roteiro do show
PONTO A PONTO - Maria Bethânia
Tua e Encanteria
"A ideia inicial era fazer um disco de inéditas, mas foram chegando músicas que dariam para dois ou mais. Só o Roque Ferreira, que produz compulsivamente, me mandou 25. Do Paulinho Pinheiro vieram 18. Fui gravando e guardando, mas aí vi que poderia lançar dois álbuns com diferentes conceitos, o Tua com canções de amor; e o Encanteria, de celebração e festa. Os discos acabaram dando o mote para o título do show."
Balada de Gisberta
"Pedro Abrunhosa me convidou para gravar uma música com ele no disco que iria fazer. Antes, me mandou o CD Luz, no qual ele havia gravado essa canção. Quando a ouvi, fiquei impressionada com a carga dramática que ela trazia. Aí vi que era uma música na qual poderia colocar minha assinatura. Coincidentemente, era a que ele queria me ver cantando. Nos shows da turnê, tem sido um dos momentos de maior impacto."
Turnês e estresse
"Devo ter sido uma das primeiras artistas da música brasileira a sair pelo país em turnês. Sempre gostei de cantar para públicos diversos. No começo da carreira, fazia shows em casas noturnas do Rio e de São Paulo, sem maiores exigências em relação às condições técnicas dos lugares. Hoje, como estou mais velha, as viagens têm me deixado estressada, principalmente pela falta de respeito, que começa nos aeroportos, onde os voos geralmente atrasam. Os teatros estão envelhecidos e deteriorados, com raras exceções, como o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e o Castro Alves, em Salvador. Há lugares onde não se pode nem instalar o cenário."
Roberto Carlos
"Fui uma das primeiras a ser convidada pelo Guto Graça Melo para participar do show em homenagem ao Roberto (Carlos) na comemoração dos 50 anos de carreira dele. Mas como já tinha compromisso assumido, não pude ir. Mas Roberto já havia sido homenageadíssimo por mim no CD As canções que você fez pra mim, disco que gravei só com músicas dele."