Nahima Maciel
postado em 17/12/2009 09:04
Tide Hellmeister morava na Praça da Árvore e gostava de caminhar pelo centro de São Paulo. Ali encontrava os tipos perfeitos para suas histórias. Figuras reais para um mundo imaginário retratado em pinturas, colagens e pequeninas narrativas ficcionais. Mais conhecido como artista gráfico e por anos ilustrador de jornais como O Estado de S.Paulo e O Globo, Hellmeister mantinha também um quase secreto gosto pela pintura. É essa faceta nunca antes exposta que a mostra Brava gente, em cartaz na Caixa Cultural, traz para o público com uma coleção de 60 obras nas quais o artista explora retratos de pessoas comuns.
A galeria de rostos de Hellmeister é cheia de anônimos, personagens imaginários de um Brasil plural, gente nascida de uma sistemática concebida pelo artista de forma jornalística. Os rostos entristecidos, contornados de pinceladas sombrias, eram colhidos na observação diária do cotidiano, na rua principalmente. Na tela, viravam personagens. Alguns tinham direito a perfis, que Hellmeister escrevia com base na própria imaginação, mas inspirado na possibilidade de tais seres inexistentes serem também capazes de representar a gente brasileira.
O contador reservado, o garçom que sempre quis ser bacharel em direito, a farmacêutica morta em trágico acidente de balsa, o fazedor de linguiça de origem alemã e até a acrobata de uma perna, chamada carinhosamente de Eli Regina, são algumas das invenções do artista.
A carreira como cartunista e chargista sempre imprimiu no traço e na atitude de Hellmeister a ironia. "É um recorte da produção dele. O trabalho é muito mais forte na área da colagem do que de pintura. Ele começou a desenvolver essa série há cinco anos, observando as pessoas na rua. Criava histórias com coisas mais lúdicas e surreais que vinham da imaginação dele", conta o filho André Hellmeister, um dos curadores da exposição.
Apesar da tragicidade das histórias de Brava gente - os personagens são apresentados com data de nascimento e morte, essa última sempre um tanto dramática -, é o humor que pauta a conduta do artista, morto em 2008 de complicações cardíacas. Montada nas galerias Piccola 1 e 2 e projetada por Cláudia Lopes e André, a exposição recupera o ambiente escuro e lúgubre das telas. Algumas das narrativas estão plotadas nas paredes, mas o público tem também a oportunidade de ouvir as histórias em alguns telefones dispostos em frente às obras. "Ele não fez histórias para todos os personagens, muitos não tinham nem nome. O objetivo era mostrar a visão que tinha de figuras tipicamente brasileiras. Tem uma força muito grande nesse imaginário de pessoas simplórias, cada um tem uma vida, uma peculiaridade", avalia André.
BRAVA GENTE
Exposição de telas de Tide Hellmeister. Visitação até 17 de janeiro, de terça a domingo, das 9h às 21h, nas galerias Piccola 1 e 2 da Caixa Cultural (Setor Bancário Sul Q. 4 Lt. 3/4; 3206-9448).
Histórias do passado
Na Galeria Principal da Caixa, a história brasileira também é tema, mas sem a intenção ficcional e a presença humana reverenciadas por Hellmeister. O fotógrafo gaúcho Luiz Carlos Felizardo fez cinco visitas à cidade de São Miguel das Missões entre 1973 e 2007. De todas retornou com extenso material fotográfico em preto e branco, no qual privilegia uma visão bucólica e solitária de algumas das ruínas mais antigas do país. Intitulado O sonho e a ruína, o projeto foi contemplado no edital Arte e Patrimônio do Iphan em 2007 e ganhou patrocínio da Petrobras.
Felizardo carrega o nome de Luiz Carlos em homenagem a Prestes. Primo em segundo grau do tenente, o fotógrafo iniciou o projeto de registro das missões inspirado em cartas de Luiz Carlos Prestes. Preso após o fracasso da Coluna, o primo, em correspondência com o pai de Felizardo, relembra como reuniu seus homens nas missões e de lá iniciou a marcha para o Norte.
Nas imagens, Felizardo dá ênfase aos detalhes da ruínas. Muros, arcadas, raízes de árvores entranhadas às pedras são indícios de que quis dirigir ao cenário um olhar íntimo. "As missões são as únicas ruínas de importância no território nacional, por isso é um espaço muito importante e mágico em certo sentido", conta o fotógrafo. "Naquele local ocorreram desde experiências pacíficas até a Guerra Guarani, com gente morta e tudo. É um lugar eivado de histórias do passado e, para mim, é um exemplo de arquitetura e preservação."
Também transparecem as três décadas durante as quais Felizardo fotografou o local. Se nos anos 1970 boa parte das ruínas ainda estavam encobertas por vegetação, hoje o local tem formato de parque preparado para a visitação e alvo de intenso turismo. "Do ponto de vista fotográfico é uma involução, porque as fotos que fiz não poderia fazer hoje. Mas é um espaço mais didático do que era nos anos 1970, quando era muito mais romântico."
O SONHO E A RUÍNA
Exposição de fotografias de Luiz Carlos Felizardo. Visitação até 17 de janeiro, de terça a domingo, das 9h às 21h, na Galeria Principal da Caixa Cultural (SBS Q. 4 Lt. 3/4).