postado em 17/12/2009 09:07
O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) encerra o ano com dois espetáculos visitantes. Na sala principal, está em cartaz Celebração, enquanto no novíssimo Teatro II, O estrangeiro, ambas até domingo. O Correio conferiu as duas montagens. Veja os horários das sessões no Roteiro.
Pinter alterado
Há um evidente mérito cultural na montagem Celebração, o de trazer ao Brasil, com relativa rapidez, a encenação da última peça de Harold Pinter, montada em 2000, em Londres. O texto sintetiza não só o caráter formal, marcado pelo absurdo, mas, sobretudo, o aspecto político do autor, que espezinha as classes dominantes. No entanto, ao se erguer no palco, deforma-se pela opção da direção de Eric Lenate em potencializar a caricatura. Da voz trabalhada com falsetes estereotipados ao humor fácil arrancado de trejeitos, os atores apresentam tipos cansativos, que embaralham e tiram a visibilidade da narrativa. Em cena, a marcação previsível em torno de duas mesas de restaurantes, pontuada por uma luz primária que se alterna entre uma e outra, movimenta espetáculo confuso, por vezes gritado. O resultado decepciona por escamotear Harold Pinter em sua plenitude. As ideias da dramaturgia não se completam na mente do espectador pelo excessivo tom de comédia. Quem não conhece Pinter pode sair do CCBB com a impressão de um autor pouco sofisticado.
Camus sensível
Dotado de narrativa belíssima, construída por escritor que usa as palavras como esteio para a alma, o espetáculo O estrangeiro nasce sustentado pela carpintaria de Albert Camus. Vera Holtz e Guilherme Leme parecem entender bem essa responsabilidade e tratam cada sílaba pronunciada com delicadeza. O que se observa em cena é o exercício da sutileza de um ator que se desafia em trabalho árduo para traduzir motes como amor, morte, solidão, sentimento de justiça e existência.
Vera Holtz, que estreia como diretora, caminha Guilherme Leme com calma na construção do personagem. Ele leva mais da metade do espetáculo vestindo-se enquanto usa esse tempo largo para que o espectador construa a personalidade do complexo homem, que vai ao funeral da mãe e, na sequência, envolve-se em assassinato. A luz poética e narrativa de Maneco Quinderé é metáfora para o sol, importante componente na dramaturgia.
A adaptação, aliás, é o senão de O estrangeiro. A versão teatral de Morten Kirkstov obedece ao tradicionalismo, com muito diálogo indireto, na linha "aí, ele disse".. . "aí, ele falou", o que torna a linguagem do monólogo repetitiva e sem possibilidades de voos mais ousados da direção e da interpretação. É aí que o trabalho da dupla Vera-Guilherme faz a total diferença. Ao fim, o teatro se faz e vence o risco do tédio, evitado aqui pelas mãos sensíveis dos envolvidos.