Diversão e Arte

Avatar é uma verdadeira viagem ao mais fantástico dos mundos, que é a imaginação humana. Foram 14 anos para pensar o filme, que custou US$ 310 milhões

Ricardo Daehn
postado em 18/12/2009 08:27
"Seguramente, a mais vívida e convincente criação de um mundo de fantasia já vista na história do cinema", atestou a revista Time, ao se referir à oitava traquinagem visual, em longa-metragem, do cineasta canadense James Cameron. Com visual, de fato, sem precedentes, Avatar - desde já no pódio de inevitável arrasa-quarteirão - é um projeto talhado para avançar ainda mais nessa condição, se firmando como fenômeno sem paralelos. A confluência dos números apronta terreno para a conquista: US$ 310 milhões foram aplicados no orçamento, enquanto nunca é demais lembrar do radiante passado do diretor Cameron que, com Titanic (1997), não apenas arrebatou 11 prêmios Oscar, mas agregou o recorde de faturamento de US$ 1,8 bilhão, mundo afora. A favor, em termos de conforto, Avatar tem a duração mais compacta, de duas horas e quarenta minutos, contra as mais de três horas da catástrofe que separou Jack e Rose. "Estou com a percepção visual noutro patamar", chegou a declarar James Cameron à imprensa estrangeira. Afastado há 12 anos do circuito exibidor internacional, o diretor na verdade, não teve descanso: falou mais alto a vocação para a óptica desse filho de um engenheiro elétrico com uma artista. Em material de divulgação do novo longa, ele explica que "a realização foi como pular de um despenhadeiro costurando o paraquedas no meio da descida". A %u201Cexperiência transcendental%u201D do filme (como assinalou a britânica Empire) consumiu 14 anos, com a criação do roteiro que abraça o princípio de Cameron de que "entretenimento não deve ser totalmente vazio". Famoso pelo grau de exigência e pelo domínio de diversas áreas da produção cinematográfica, Cameron investiu, ao longo de nove anos, na criação de câmeras especiais. Perito na mescla entre cinema e tecnologia de ponta - alguém pode discutir os méritos de O segredo do abismo (1989) e O exterminador do futuro 2 - Julgamento final (1991) -, Cameron, em Avatar, se rendeu a aprimoramentos visuais propiciados pela Weta, a multipremiada empresa de Peter Jackson (de O senhor dos anéis). Como resultado, vem firmada uma realidade virtual, num mix em que pouco se diferencia animação de um filme com atores de carne e osso. Ex-estudante de física (e arrecadador de Oscar no campo técnico), o diretor, como sublinha a Entertainment Weekly, aposta numa "pegada psicodélica". Conta a favor, a intimidade do cineasta com histórias em quadrinhos (com especial gosto por Harlan Ellison, de Demônio da mão de vidro) e a queda pela ficção científica descrita por Arthur C. Clarke (substrato para o inspirador 2001 - Uma odisseia no espaço) e A.E. van Vogt (de A batalha da eternidade). Com comprovada afinidade com o gosto do grande público, na linha de um Steven Spielberg, no filme, James Cameron se aliou à excelência do supervisor de efeitos Joe Letteri (dissidente da Industrial Light & Magic), respeitado por títulos como King Kong e X-Men: O confronto final. Forte realismo O alvoroço em torno do arrebatamento visual - "estonteante e absorvente" e que deixa o "o público estupefato e imóvel", como propalado na mídia - encontra fundamento em Avatar. Dosar realidade e fantasia sempre foi o forte do ex-criador de cenários em miniatura para fitas de Roger Corman e diretor de arte dos filmes de John Carpenter. Explorador incondicional de ambientes espaciais e marinhos, o condutor da nova aventura surpreende com o realismo (acentuado pelo uso de 3D) que cerca imagens como despenhadeiros assustadores, o efeito molhado (num contato de personagens com uma cascata) e ainda cenários que emanam lisérgica fosforescência. Identificado na imprensa pelo mote aproximado com Dança com lobos - de adentrar, com respeito, um universo ou cultura desconhecida -, Avatar se apoia ainda no mito de Pocahontas, associado à índia capaz de cooptar, nos idos norte-americanos, o colonizador inglês. Explica-se: 2154, na trama, é o ano em que Jake Sully (Sam Worthington, de O exterminador do futuro - A salvação), a serviço dos Estados Unidos, será integrado ao programa espacial Avatar e que, apaixonado pela nativa Neytiri (Zoë Saldana, de O terminal e Star Trek), enfrentará um dilema ético entre munir a humanidade de meios para o progresso ou abraçar, sem ressalvas, a nova cultura ao qual é apresentado. James Cameron já demoveu semelhanças com Titanic, mas em compensação muitas das críticas incentivam associações entre situações contemporâneas relacionadas à exploração da Floresta Amazônica ou ainda com circunstâncias passadas, referentes à Guerra do Vietnã. Ciência e ganância Produzido por quatro anos, Avatar desemboca numa trama que exalta a ganância humana pelo raro minério chamado unobtanium. Ambientada no sistema estelar Alpha Centauri-A, a fita explora a vida na lua Pandora, local em que duas possibilidades centrais são apresentadas ao herói: seguir coordenadas da diretora do programa Avatar, Grace Augustine (Sigourney Weaver), ou ceder ao chamado do coronel Miles Quaritch (Stephen Lang, de Inimigos públicos), para beneficiar um empreendimento capitalista terráqueo. O militar, no controle do Portão do Inferno (que salvaguarda a colônia humana, em Pandora), pretende doutrinar o ex-fuzileiro naval para que ele investigue os pontos fracos dos Na%u2019vi, como são conhecidos os nativos de Pandora. Convém explicar que os avatares do título designam os corpos híbridos (entre humanos e Na%u2019vi) que, controlados pela consciência humana, são capazes de sobreviver num ecossistema hostil à humanidade. Num surto de criação, James Cameron povoou e estabeleceu a dinâmica de um sistema estelar à parte. Daí, comparecem alienígenas gigantes azulados, com olhos afastados, quatro dedos e movimentos inspirados em macacos e felinos. Também despontam o clã Omaticaya, que habita uma árvore de 300 metros, há 10 mil anos; o Thanator (denominada "pantera do inferno") e o temido Banshee (uma espécie alada que ajuda a reafirmar a admiração de Jake pelo povo Na%u2019vi). O requinte de detalhes - que já rendeu indicações de melhor filme de drama e direção no cobiçado Globo de Ouro - contou com colaboradores como coreógrafos e até um linguista (dedicado à criação de idioma imaginário que chegou a mil vocábulos). Se "boa ciência é boa observação", como apregoa uma personagem de Avatar, o apurado olhar de Jake Sully o transforma num sedento pesquisador ("de copo vazio") e tábula rasa para o entendimento de uma comunidade, numa oportunidade em que ressonam aprendizados de figuras como Marlow e Kurtz (do clássico O coração das trevas). No campo minado de Avatar, há chão para a truculência do coronel Quaritch (daqueles vilões que põem o pé na porta) e para a relativização do caráter primitivo associado à "horda de aborígenes" que encerra os Na%u2019vi. Da complexidade na representação de sentimentos de impotência de um povo ultrajado pela guerra à assumida influência de Guerra nas estrelas, o mago James Cameron tem, portanto, potencial para consumar o feitiço de desbancar a si próprio no ranking dos mais rentáveis filmes do mundo, isso caso jogue terra no recorde de Titanic.

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