Irlam Rocha Lima
postado em 19/12/2009 15:30
Passados 15 minutos da hora marcada para o inÃcio do show, é grande a ansiedade entre os espectadores que lotam a Sala Villa-Lobos na noite de quinta-feira, quando, por detrás das cortinas ecoa a voz grave e inconfundÃvel de Maria Bethânia, interpretando Santa Bárbara, num canto de louvor à divindade dos cultos afro-brasileiros. Da plateia frenética ouvem-se os primeiros e calorosos aplausos, antes mesmo da diva surgir em cena.
A reação do público é ainda mais entusiasmada quando Bethânia, usando elegante conjunto de calça preta e blusa branca (da grife de Giorgio Armani), com gestos largos começa a cantar o clássico Vida, de Chico Buarque, para em seguida ler Olho de lince, texto denso de Wally Salomão. AÃ, dá inÃcio ao passeio de quase duas horas pelo palco forrado de rosas vermelhas - destaque no cenário criado por Bia Lessa, diretora do espetáculo.
No primeiro bloco do show, a cantora aproveita músicas criadas, basicamente, por compositores de Santo Amaro (BA) para professar sua fé, a partir de letras que revelam elementos do sincretismo religioso originário do interior do paÃs. Num quase pot- pourri, ela junta Feita na Bahia, Coroa do mar, Linha de caboclo e Encanteria. Em seguida, se revela sem pudores ao soltar a voz em canções de amor - quase sempre com a dramaticidade que se espera dela - como É o amor outra vez, Tua, Fonte e Explode coração - presença frequente no roteiro dos seus shows.
Para chegar ao roteiro do espetáculo Amor, festa, devoção, teve o auxÃlio luxuoso do diretor de teatro Fauzi Arap, parceiro desde o lendário Rosa dos ventos. Juntos, eles teceram um amplo painel de canções, como se fossem delicadas bordadeiras, em que estão em destaque as consagradas Queixa, Dama do cassino e Drama, todas de Caetano Veloso. No final da primeira parte, os fãs - melhor seria dizer súditos - ouvem com atenção Balada de Gisberta, que o lusitano Pedro Abrunhosa compôs para um transexual brasileiro, assassinado, em 2006, na cidade do Porto (Portugal).
Preferidas
A Abelha Rainha sai ligeiramente de cena, dando tempo à banda liderada pelo maestro e violonista Jaime Ãlem, e que conta com o contrabaixista cearense-brasiliense Jorge Helder, mostrar seu talento em um número instrumental. Outro clássico da obra de Caetano, a tropicalista Não identificado, abre a segunda parte. Depois de interpretá-la, a cantora revela: "Esta era a canção preferida do meu pai (Seu Zezinho). Ele a ouvia silenciosamente, com certeza pensando em minha mãe (Dona Canô). Para mim, ela é a fonte de tudo. Esse show é seu, minha senhora", declara.
Um pouco mais extenso, o roteiro da segunda parte, que traz como cenário pequenos quadros com fotos de fachadas de casas do interior, feitas por Anna Mariana. São reunidas no repertório músicas inéditas dos CDs Tua e Encanteria - Estrela, Pescaria, Saudade, Saudade dela e Domingo entre elas - com o clássico sertanejo É o amor, de Zezé Di Camargo & Luciano, que na versão de Bethânia ganha impressionante carga dramática; e pérolas do cancioneiro brasileiro, garimpadas do seu baú afetivo, como Bom dia (Herivelto Martins), Andorinha (SÃlvio Caldas) e Bandeira Branca (Max Nunes e Laércio Alves).
Os admiradores, encantados com o que presenciam, exigem a volta da diva ao palco, depois de ela encerrar o espetáculo com Encanteria. Muita gente em pé, na frente do palco, testemunha a cantora fechar a turnê com mais duas canções: Reconvexo (Caetano) e Olhos nos olhos (Chico Buarque). A emoção se espalha por todo o teatro.
Ouça trecho da música Encanteria