postado em 25/12/2009 08:27
Bernardo Scartezini - Especial para o Correio
Elementar, meu caro Watson. Crimes não acontecem apenas em bibliotecas acarpetadas, entre aristocratas entediados. Com todo respeito ao Sir Arthur Conan Doyle (1859-1931) e à rainha do crime Agatha Christie (1890-1976), a literatura policial ganhou muito ao deixar as mansões bem ajardinadas e tomar a porta da rua. Basta ler este jornal, agora em mãos, para se entender o apelo de escritores como Raymond Chandler. O crime, como alardeava aquele programa radiofônico, está na polícia e nas ruas. Está aqui na esquina.
[SAIBAMAIS]A bandidagem de variada ordem nunca sai de moda, mas Raymond Chandler (1888-1959) está de volta, e chega armado até os dentes. Nesta temporada se arredondam 50 anos de morte do autor, e o mercado editorial brasileiro se mostra afeito à efeméride. Uma onda de relançamentos vem tomando as livrarias e parece que praticamente tudo que Chandler algum dia já publicou no mundo está de novo no prelo, ou a caminho dele. A saber...
A editora L repaginou com coloridas capinhas seus antigos títulos de Chandler em edições de bolso. Foram republicados cinco dos mais relevantes romances do autor: a partir do primeirão, O sono eterno (1939), enfileirando os seguintes Adeus, minha adorada (1940), Janela para a morte (1942), A dama do lago (1943) e chegando ao tardio O longo adeus (1953). Esses cinco romances trazem Philip Marlowe, um detetive particular de corte rude e proceder pouco ortodoxo, como narrador e protagonista. Marlowe é personagem de todos os romances de Chandler e funciona como um irônico e perspicaz alter ego do autor, uma derradeira instância ética-e-moral a flutuar num mundo de louras fatais, informantes traiçoeiros e canos fumegantes.
Esses cinco romances de Marlowe na L podem ser comprados em separado, mas foram também embalados num simpático e colorido caixote de papelão. Ficam de fora da caixinha as reedições dos dois volumes de A simples arte de matar, coleta de contos publicados aqui e acolá em revistas americanas. E vale notar que também fazem parte do catálogo da L outros títulos de Chandler, como seu derradeiro romance Para sempre ou nunca mais (1958) e o póstumo Amor & morte em Poodle Springs (1989), que é uma história deixada inacabada e décadas mais tarde arrematada pelo escritor Robert Parker, um dos muitos admiradores e discípulos de Chandler & Marlowe.
Agindo nas beiradas da L, a Editora Record apresenta dois volumes de contos de Raymond Chandler: A porta de bronze e Chantagistas não atiram. Ambos reunindo material pouco conhecido do autor. Trazem, em boa parte, histórias escritas ainda nos anos 1930. Quando o autor iniciava-se no gênero e Marlowe ainda nem abrira seu escritório de detetive particular em Los Angeles. Esses títulos, portanto, valem principalmente para o leitor já familiar a Chandler, que neles pode descobrir um pouco da formação do escritor.
Chantagistas não atiram, conto que abre e empresta o título a uma das compilações, foi a primeira das publicações de Chandler na revista literária Black Mask, editada pelo outro grande inovador das narrativas policiais da época, Dashiel Hammett (1894-1961). É obra imatura, de 1933. Já o outro volume tem o conto A dama do lago que passou sem muito alarde ao ser publicado em 1939, mas que depois seria reciclado pelo autor e incrementado por outros dois escritos (Bay city blues e No crime in the mountain), para fechar o citado romance A dama do lago, esse sim considerado definitivo.
Os títulos da Record também se fazem notar por um par de contos bem peculiares. A porta de bronze (1939), que abre o volume homônimo, e O rapé do professor Bingo (já de 1951), que faz parte de Chantagistas não atiram, são narrativas fantásticas, dessemelhantes ao cru realismo das aventuras de Marlowe. Ambos os contos trazem notável influência de Edgar Allan Poe (1809-1849) para além do proto-noir do autor de Os assassinatos da Rua Morgue. O Poe que ecoa na Porta de bronze é o Poe das histórias de terror góticas. E o tal professor Bingo é especialmente notável por desmaterializar-se no ar, fazendo-se invisível.
Na estante
O SONO ETERNO
De Raymond Chandler. Tradução de William Lagos. L Pocket. 248 páginas. R$ 17.
ADEUS, MINHA ADORADA
De Raymond Chandler. Tradução de Newton Goldman. L Pocket. 288 páginas. R$ 18.
JANELA PARA A MORTE
De Raymond Chandler. Tradução de Caroline Chang. L Pocket. 248 páginas. R$ 16.
A DAMA DO LAGO
De Raymond Chandler. Tradução de William Lagos. L Pocket. 272 páginas. R$ 18.
O LONGO ADEUS
De Raymond Chandler. Tradução de Flávio Moreira da Costa. L Pocket. 386 páginas. R$ 23.
A SIMPLES ARTE DE MATAR, VOLUME 1
De Raymond Chandler. Vários tradutores. L Pocket. 240 páginas. R$ 16.
A SIMPLES ARTE DE MATAR, VOLUME 2
De Raymond Chandler. Vários tradutores. L Pocket. 236 páginas. R$ 16.
A PORTA DE BRONZE
De Raymond Chandler. Tradução de Alves Calado. Editora Record. 238 páginas. R$ 29,90.
CHANTAGISTAS NÃO ATIRAM
De Raymond Chandler. Tradução de Alves Calado. Editora Record. 272 páginas. R$ 32,90.