postado em 27/12/2009 14:20
Depois de uma infância acidentada, o filho de Iberê Carvalho cresceu. E, quando menos se esperava, entrou numa adolescência brilhante. O curta-metragem Para pedir perdão, que o cineasta brasiliense trata com orgulho paternal, levou algum tempo para conquistar reconhecimento. Não chegou a ser escolhido para competir no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, onde contentou-se com exibição em mostra paralela. Mas, quando finalmente acertou o alvo, a cria provou que o paizão não estava enganado. "Sempre gostei do filme. Todas as vezes em que eu recebia um não dos festivais brasileiros, ficava surpreso", lembra. Com o anúncio da seleção no Festival de Havana, realizado nas primeiras semanas de dezembro, veio o alívio. "Foi como uma confirmação de que eu não estava maluco ou dando uma de coruja", comenta o diretor.
O que veio depois ainda soa como desfecho de filme. Final feliz. Exibida sem estardalhaço, a produção saiu de um dos eventos cinematográficos mais importantes da América Latina com o prêmio máximo. Contra o descrédito de quem não confiou no potencial da "criança", Iberê levou para a casa o troféu Coral. O prêmio máximo para curtas (o brasileiro Viajo porque preciso, volto porque te amo ficou em terceiro lugar entre os longas). "A carreira do filme no Brasil estava um pouco complicada, até por ter ficado de fora do Festival de Brasília. Brincava com a Fernanda Rocha (atriz do filme): se a gente entrar em Havana, já tá valendo", conta. A profecia, que deu na vitória em Havana, rendeu mais do que o esperado. Em janeiro, o curta entra no circuito cubano, em três cinemas, antes do longa Substitutos, com Bruce Willis. Além disso, está entre os finalistas de concurso do canal por assinatura AXN.
Os presentes de Natal provocaram emoção na equipe. "Choramos muito. Foi a vitória da persistência. Sempre penso que podíamos ter parado de inscrever o curta em festivais, já que custa uma grana preta. Mas não nos desiludimos", afirma Iberê. Aos 33 anos, o diretor entende como poucos o valor da teimosia. Labutou na publicidade, estudou cinema na Espanha. O curta anterior, Entre cores e navalhas (codirigido com a atriz e cineasta Catarina Accioly), também não entrou na mostra competitiva de Brasília e, mesmo assim, acabou selecionado para mais de 40 festivais estrangeiros - entre eles, Havana.
"Noto que, além do cinema, há tantos outros fatores que determinam a seleção em Brasília", observa. Mas o diretor apressa-se a lembrar: foi na mostra candanga onde viveu um dos momentos mais emocionantes da carreira: a exibição de Para pedir perdão (que chama carinhosamente de PPP) na Mostra Brasília, em 2008. Na sala lotada do Cine Brasília, ele notou que o curta era capaz de provocar risos e lágrimas em menos de 20 minutos. "Numa duração tão curta, fizemos a galera se emocionar. E esse era meu objetivo: tocar pela emoção", diz.
Em Havana, o júri presidido pela brasileira Lúcia Murat (Quase dois irmãos) elogiou a concisão do projeto. Um filme que, na justificativa do festival, agrada pela "capacidade de síntese narrativa". "O roteiro ficou muito amarradinho. Todo mundo que assiste fala que é um 'longuinha'. Deixar em 20 minutos foi muito difícil", admite. Também árduo foi conseguir recursos para financiar um curta que levou quatro anos para ficar pronto, custou R$ 70 mil e ainda deixa dívidas. "Tirei R$ 40 mil do meu bolso", afirma o diretor.
Minutos de fama
Nas duas sessões cubanas do curta, Iberê (que viajou acompanhado dos atores Vinícius Ferreira e Fernanda Rocha) se preocupou com a reação do público a uma trama triste, sobre uma relação amorosa fadada à tragédia. "Na primeira exibição, às 10h30, as pessoas aplaudiram no fim, mas poucos vieram conversar com a gente. Já na segunda sessão, à tarde, foi o curta mais aplaudido. Um alemão que não falava espanhol nem português veio nos elogiar: ele havia entendido o filme inteiro", conta.
À véspera da premiação, o trio enfrentou alguns desencontros. A organização da mostra, que comunica o resultado aos vencedores 24 horas antes da entrega dos troféus, não havia procurado a equipe do curta. "Imaginei que não levaríamos nada", lembra Iberê. O cineasta até planejava pegar um ônibus e conhecer uma praia próxima de Havana. Antes de cair da estrada, no entanto, descobriu no jornalzinho do evento que o curta seria exibido numa sessão especial dedicada aos vencedores. "Ainda assim, só soubemos do prêmio principal na hora da cerimônia. Muita gente comentava que éramos os mais empolgados da noite. É que foi uma grande surpresa", diz. "Depois, fomos entrevistados pela tevê venezuelana, pela tevê cubana. Vivemos os nossos 15 minutos de fama", brinca o diretor.
Com um curta-metragem em fase de finalização (o infantil Procura-se) e prestes a iniciar o roteiro do longa-metragem de estreia, O maior covarde da Terra, Iberê recebeu em Havana uma confirmação de fé no cinema. "Esta é uma arte tão incerta. No meio do ano, eu estava pra baixo. Depois de Havana, sei que vai vir um retorno. O prêmio gera uma curiosidade em torno do filme", prevê. "Mas dá um pouco de medo quando noto que o caminho do cinema é sem volta", confessa. No caso, não há muito o que temer: esse filho do cinema brasiliense está bem encaminhado.
Quatro vezes Iberê
CELA DE AULA (2002)
Produzido enquanto Iberê cursava faculdade de jornalismo, a estreia do diretor é um documentário sobre a formação acadêmica de detentos. Foi selecionado por 10 festivais brasileiros. "Levei a realização de uma forma muito solitária. Fui me desvirginando. Eu era muito ignorante em cinema. Hoje vejo o filme e noto minha ingenuidade. Acredito que ele tenha entrado em festivais por causa do tema, muito corajoso. Fazia anos que ninguém entrava com câmara na Papuda. Consegui com muita persistência. O filme traz um olhar ingênuo para um ambiente inóspito. É como uma criança filmando dentro da Papuda."
SUICÍDIO CIDADÃO (2003)
O primeiro curta de ficção do diretor foi desenvolvido como projeto final do curso de Jornalismo. Venceu o prêmio de melhor filme em 16mm no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. "Foi um aprendizado e um filme que me colocou no mercado. Mas é totalmente imaturo na direção dos atores. E eu tinha um baita elenco na mão, com Chico Sant%u2019Anna, Juliano Cazarré, Bruno Torres. Todos eles muito experientes no teatro. Uma galera profissional, que não estava brincando. Gosto do filme. O roteiro é audacioso e a direção, interessante. Hoje, faria de uma forma totalmente diferente, mas acho que é assim com todos os filmes."
ENTRE CORES E NAVALHAS (2007)
Dirigido em parceria com a atriz e cineasta Catarina Accioly, o curta foi produzido em 35mm e custou R$ 100 mil. Exibido fora da competição no Festival de Brasília, passou por mais de 40 mostras internacionais. "Codirigir é muito difícil. Consigo identificar nesse filme as vantagens e os problemas dessa experiência. Vejo meu trabalho na produção, na direção de atores. Eu me doei muito ao projeto, tanto quanto em Para pedir perdão. Mas o filme não veio de dentro. É um discurso da Catarina que ajudei a levar para a tela. Ali está toda a minha técnica. Só que o coração bate mais forte quando Para pedir perdão passa na tela. É mais autoral mesmo. Me sinto exposto quando o filme é exibido."
PARA PEDIR PERDÃO (2009)
Exibido em mostra paralela no Festival de Brasília de 2008, o curta (livremente inspirado em conto de Marcelino Freire) venceu o prêmio máximo do Festival de Havana. "É como se fosse minha estreia no 35mm. É como um filho. Não foi selecionado para Brasília, por isso teve uma trajetória muito difícil nos festivais brasileiros. Depois de Havana, acho que vai deslanchar. Ele é muito pessoal e foi feito na raça. Conta história sobre o medo de aceitar uma relação. Do conto do Marcelino, ficou o nome dos personagens. E, na narrativa, a sensação de culpa."