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Utilizadas na cozinha desde o Antigo Egito, as especiarias, quando usadas de forma adequada, são excelentes para realçar o gosto dos alimentos

Chefs dizem que é possível encontrar no mercado brasileiro temperos de ótima qualidade

Quando você mói despretensiosamente pimenta-do-reino na comida, bebe um cappuccino salpicado de canela ou se depara com um prato deliciosamente colorido pelo açafrão, o mais provável é que não considere o imenso percurso percorrido por essas iguarias até a mesa de sua casa. Disfarçadas em embalagens simples dispostas nas gôndolas de supermercados ou em sacas de empórios, as especiarias são, na verdade, verdadeiros tesouros da gastronomia, da medicina e - por que não? - da história.

Os primeiros registros de especiarias foram encontrados por arqueólogos em tumbas egípcias datadas de 3000 a.C. Acreditava-se que as propriedades de conservação de alguns temperos eram ideais para o embalsamamento. A partir do século 15, inúmeras embarcações europeias desbravadoras de novas terras voltavam ao Velho Continente recheadas de especiarias, vendidas como produtos de luxo, bastante caros.

Na época, o valor das especiarias chegou a tal ponto que elas se tornaram moeda. Cerca de 500g de gengibre comprariam uma ovelha. Um saco de pimenta em grão compraria a liberdade de um servo na França. Assim como bebidas nobres são símbolos de status na contemporaneidade, a pimenta, a noz-moscada, a canela, o cardamomo, o gengibre e o açafrão eram considerados artigos de luxo na Europa medieval. O sabor da comida denunciava as reservas de ouro de quem a oferecia.

As preciosidades exóticas também foram precursoras da pirataria. Mercadores flagrados vendendo açafrão - uma das especiarias mais caras até hoje - falsificado eram condenados à fogueira. Durante três séculos depois da chegada de Vasco da Gama às Índias, em 1498, as potências europeias travaram sangrentas guerras no mar pelo controle das colônias produtoras dos temperos.

Apesar da ostentação de poder econômico, a principal razão para a importação das ervas e dos temperos era seu uso medicinal. A noz-moscada, por exemplo, era considerada a cura para uma praga que assolou Londres no século 18 e matou cerca de 30 mil pessoas. Quando o conquistador espanhol Hernán Cortés voltou do México com baunilha, um estudo sobre a iguaria, hoje famosa pela essência adocicada, indicou que o bastão era eficaz contra a impotência sexual.

De lá para cá, a principal fonte das especiarias tem sido a Índia. O produto é tão valorizado no país que o Ministério de Indústria e Comércio tem uma comissão especial para ervas e temperos, que regula a produção, exportação e importação. A fama indiana de paraíso dos temperos tem uma dívida com os mercadores árabes, que faziam a ponte entre orientais e ocidentais. Foi por meio deles que a pimenta, rainha das especiarias, caiu no gosto do Ocidente.

Culinária refinada


A ampliação da oferta de temperos influenciou o desenvolvimento e o refinamento da gastronomia. "Nada em exagero é bom. Mas, com moderação, o uso do tempero faz muita diferença", explica Juliana Viola, do Empório Sírio-Libanês. "O zaatar (da família do orégano) e a pimenta-síria, que é uma mistura de sete temperos, estão presentes em quase todos os pratos da comida árabe, como a cafta e o quibe", exemplifica Juliana, que não revela de maneira alguma a receita da mistura vendida no Empório.

Dominar a arte dos temperos exóticos é algo que exige experiência. "Existem as especiarias neutras, as condutoras de sabor e as dominantes", explica o chef do Mercado Municipal de Brasília, Ville Della Penna. Segundo ele, o segredo é descobrir as combinações ideais para otimizar o uso das especiarias.

"O lemon pepper (limão siciliano desidratado com pimenta-do-reino) é excelente para realçar o sabor de carnes fortes, como o salmão. Já o curry, muito tradicional na culinária asiática, é mais forte, domina o sabor", explica Penna. Também valem as misturas de especiarias trituradas, conhecidas na Índia como masalas. A variada comida brasileira, reino do alho e da cebola, não fecha as portas para nenhuma especiaria. "Hoje, a gastronomia no Brasil deu um salto e já conseguimos produzir e comprar coisas que antes eram raridades", diz o chef.

A popularização das especiarias pode tê-las tornado ligeiramente menos glamorosas, mas algumas delas estão muito longe de ser baratas. Não é por acaso. São necessárias 75 mil flores da espécie Crocus sativus para fazer 500g de açafrão, o que explica seu preço - 28g do tempero produzido na Espanha chegaram a custar R$ 300 no ano passado. Um quilo de pignoli italiano, castanha de um pinheiro típico de clima mediterrâneo, vale R$ 343. Como na época dos primeiros navegantes europeus, as especiarias continuam valorizadas. E dando mais sabor à vida.

Aprenda uma receita de lombo suíno com molho carmenére, temperado com pimenta-do-reino do chef Ville Della Penna

Como usar

Veja como podem ser utilizadas algumas das especiarias mais populares no Brasil

Coentro

Cozinha: No Brasil, as folhas do coentro são mais conhecidas do que a semente, que tem sabor mais concentrado. Nativos do Oriente Médio e do sul da Europa, os grãos combinam com carnes defumadas, ensopados e incrementam o sabor de peixe e frango grelhados. Triturados, combinam com pastas de queijo.

Saúde: O óleo da semente é benéfico para o sistema nervoso, estimula o aparelho digestivo e é usado na Ásia para tratar reumatismo e dores de cabeça.

Páprica

Cozinha: Feita de pimentão-doce desidratado e moído, a páprica tem origem na América do Sul, mas é mais conhecida pela presença nas culinárias húngara, espanhola e indiana. Varia em intensidade de sabor, podendo ser doce ou apimentada. Frequentemente, é utilizada para colorir pratos e combina com molhos para salada, queijos e, em especial, marinados e defumados.

Saúde: O pimentão-vermelho tem sete vezes mais vitamina C do que a laranja, mas os nutrientes podem se perder na desidratação para a produção da páprica. No entanto, o tempero é uma ótima fonte de betacaroteno, que o corpo converte em vitamina A.

Manjerona

Cozinha: Espécie encontrada no norte da África e no sul da Ásia, a manjerona conquistou o mundo. Os romanos acreditavam em seus poderes afrodisíacos. É muito usada em molhos de tomate, saladas e combina com carneiro, porco e peixe. É um dos componentes da mistura francesa de ervas finas.

Saúde: A planta tem propriedades antioxidantes. Os gregos antigos usavam seu chá contra envenenamento e convulsões, além de alívio para dores estomacais e musculares.

Açafrão


Cozinha: A especiaria mais cara do mundo é conhecida pela coloração e sabor singulares. É muito comum na comida mediterrânea e asiática. Seu principal parceiro é o arroz, mas acompanha bem frutos-do-mar e peixes, a exemplo da paella espanhola.

Saúde: Em grande quantidade, pode ser tóxico e levar à morte, mas tem valor reconhecido como antiespasmódico, diurético e sedativo.

Estrela-de-anis

Cozinha: Nativa da China e do Vietnã, é mais utilizada no preparo de doces e pratos agridoces. Na comida chinesa, é frequentemente usada no preparo de carnes, frango e sopas.

Saúde: Tem propriedades estimulantes e diuréticas. É usada no Oriente no tratamento de cólicas e de reumatismo. Sua essência é utilizada em pastilhas contra tosse e em chás medicinais.

Pimenta-da-jamaica

Cozinha: Presente nas florestas tropicais da América do Sul e Central, tem aroma adocicado e lembra a combinação de canela, noz-moscada e cravo-da-índia. A variação branca casa com carnes brancas e molhos suaves. A pimenta-preta, pelo sabor mais forte, combina com carne de boi e porco. Moída, serve de aromatizante para doces, sopas e molhos.

Saúde: Famosa pelos benefícios digestivos, este tempero também tem propriedades vaso-dilatadoras. É usada como anestésico leve para dores musculares e em banhos para o alívio da artrite.