Ed Motta é um cara que coleciona LPs, só ouve música antiga, adora jazz, lança CD quase todo instrumental, grava disco de rock cantando em inglês e tocando tudo sozinho. Bom, é um homem de fases. Gosta de tanta coisa que passeia por onde bem entende. Coerência para quê? Quer mais é arriscar, no que faz muito bem. Um ano e meio depois do bom (e sombrio) Chapter 9, aqui está ele, de volta com seu manual prático para festas, bailes e afins, num disco solar chamado Piquenique.
Coproduzido por Silvera, o novo álbum traz 12 faixas que deixam claro que Ed Motta é bom em suas incursões pelo jazz, pelo rock e até pelos musicais norte-americanos (caso dos trabalhos anteriores), mas é melhor ainda quando passeia pelo soul e o funk. Em Piquenique, ele faz música para pista, casando sonoridades setentistas e modernas. E é neste segundo caso que entra a mão de Silvera, cantor e instrumentista que Ed só conhecia de passagens por São Paulo (os dois são da mesma gravadora, a Trama), até convidá-lo para trabalhar com ele.
;Queria uma pessoa que me ajudasse com as coisas modernas, porque só escuto coisa velha;, explica o cantor e compositor. ;A ideia era que o disco tivesse algo atual e de bom gosto. E Silvera é um cara minucioso, cuidadoso. Programa muito bem bateria, lida bem com as novas tecnologias. Unimos isso com os meus arranjos, as minhas composições, a minha forma de trabalhar.;
Pop até o osso, Piquenique também marca a estreia de Edna Lopes como letrista. Casada com Ed Motta há 19 anos, ela, que é artista gráfica (foi a primeira mulher a escrever e a desenhar uma graphic novel no Brasil, Amana ; Ao Deus dará, publicada pela Casa da Palavra), já fazia as capas dos discos e as ilustrações do site dele. Agora, assina todas as (desencanadas) letras do CD, à exceção de Nefertiti, escrita por Rita Lee (esta é a terceira da dupla, depois de Fora da lei e Colombina).
Ed conta que a parceria com a mulher começou por acaso. ;Eu já tinha as músicas prontas. Um dia, depois de jantar, mostrei a ela as que ia passar para os letristas e, de brincadeira, disse: ;E se a gente fizesse uma dessas?;;, lembra. ;Aí fizemos A turma da pilantragem, música que tem uma coisa erótica dos anos 1960, bem ingênua. Começamos outras e me animei em fazer com ela o disco todo, a quatro mãos.;
Quando a letra de A turma da pilantragem ficou pronta, ele pensou logo num dueto. E pensou logo em Maria Rita para gravá-la. Coincidência ou não, foi o pai dela, César Camargo Mariano, o pianista que mais tocou nos discos do pessoal da chamada pilantragem (Nonato Buzar, Carlos Imperial, Wilson Simonal, etc.). ;Que delícia de merengue/ Eu quero tocar/ Eu quero provar/ Me lambuzar;, cantam os dois, antes do coro pilantra ;tira, tira, tira!”.
;Até cansar;
Marya Bravo, outra convidada do CD, faz os vocais da faixa-título, uma viagem com direito a patinete, bicicleta, bola de gude, fita cassete e tutti-frutti. ;Enfim, achamos Paquetá/ Sim, vamos aproveitar/ Cochilar, pedalar, namorar/ Até cansar;, avisa ele, que já tinha chamado Marya, ;uma cantora supertécnica, impecável;, para participar de Aystelum, o disco de 2005, o mais jazzístico dos 22 anos de carreira e o de melhor repercussão no exterior.
Desta vez, Ed Motta queria mesmo uma guinada pop, mais radical do que Poptical (2003). ;Estava com saudade de fazer um álbum com que me comunicasse com um maior número de pessoas;, diz ele, que deve voltar às rádios com canções como Mensalidade, Pé na jaca e Minha vida toda com você. ;O disco anterior, Chapter 9, teve uma recepção difícil dentro e fora do Brasil. Tinha uma influência meio rock, e isso não é o que as pessoas querem ouvir de mim.; Aqui, preferem o Ed pop, soul-funk. Fora do país, querem mais jazz, samba-jazz, instrumental.
;Gosto de tantas coisas... Como diz Zeca Pagodinho, deixo a vida me levar;, ele ri. ;E deixo seguir naturalmente, para que soe verdadeiro.; Bom, pelo menos ele não pode reclamar de viver na mesmice.
O número
12
Número de faixas do CD Piquenique
PIQUENIQUE
Décimo disco de Ed Motta, produzido por ele e Silvera. Lançamento Trama, 12 faixas.
Trecho da música Pé na Jaca