postado em 26/01/2010 07:00
; Ricardo DaehnEnviado especial
Tiradentes (MG) ; Se, no cinema do cearense Karim A;nouz, as personagens jamais encontram terreno para a acomodação, em grande parte, isso é reflexo dos interesses pessoais do cineasta, que chega aos 44 anos, recentemente completados, transpirando motivação. ;Quem vive no mundo, e não tem inquietude, está anestesiado;, observa. Enquanto injeta ânimo e desconforto aos protagonistas de Madame Satã (2002) e O céu de Suely (2007), o diretor busca, igualmente, encontrar seu lugar no espaço. ;Com três filmes feitos, não posso pensar que eu tenha uma obra: tenho, sem falsa modéstia, um apontamento de direção;, avalia. Substanciosa, a trinca de longas (encerrada com o inédito Viajo porque preciso, volto porque te amo, codirigido por Marcelo Gomes), no entanto, foi o suficiente para Karim ; destacado em festivais como os de Cannes e de Veneza ; tornar-se o grande homenageado da 13; Mostra de Cinema de Tiradentes (MG), em curso, até sábado.
Atualmente, morador de Berlim, Karim ; um filho de argelino que já habitou Brasília, Fortaleza e os Estados Unidos ; tem tirado proveito do ;maior espaço mental;, na Europa. ;É uma cidade vazia e muito silenciosa, tendo menos gente do que poderia comportar. Moro num bairro com rua de paralelepípedo. Lá, tem uma coisa bonita: de manhã, uma dupla de sanfoneiro toca sempre Besame mucho, quando param, na janela, pedindo dinheiro.; A música, por sinal, tem sido artifício para Karim fazer o que mais sabe: remeter o espectador para lugares distintos, muitas vezes, desconhecidos. ;Não tenho nenhuma formação musical, então, se tem algo abstrato, para mim, é música. Tenho uma relação de memória, intuitiva, mas forte, com a sonoridade. No cinema, para mim, a música tem sido um norte;, comenta.
A ligação com as notas de Heroes (David Bowie), para o filme em gestação, Praia do futuro, é tanta que a aquisição dos direitos autorais dará a largada ao set da fita, previsto para o segundo semestre. Sentimentos fraternos de fidelidade e admiração se fundem no roteiro, há duas semanas, mais uma vez, burilado, com o parceiro Felipe Bragança. Sem elenco definido, a coprodução Brasil-Alemanha prevê filmagens ;com a areia branca do verão em rima com a neve alemã;. ;O longa trata de um cara que atravessa o mundo atrás de um grande amor e desaparece. Ele, um salva-vidas, tem um irmão, que abandona, acostumado a chamá-lo de Aquaman. Anos depois do sumiço, o irmão vai atrás dele;, adianta. O corajoso deslocamento empreendido pelo rapaz satisfaz uma momentânea carência de Karim A;nouz ; ;correr riscos é o que torna a vida mais bacana;.
Fora do círculo do cinema, Karim acredita que o frio alemão o tem estimulado, criativamente. ;Não sei se é uma vida-lazer (um termo autoexplicativo saído de Viajo porque preciso), mas é bem gostosa e que me faz pensar mais: sinto um arejamento. Nos últimos seis anos, tenho fotografado, constantemente. Daí, veio a maior vontade de fazer das fotos um livro, apesar de ainda não ter uma editora;, conta. Do pão do café da manhã até um lugar desconhecido, frequentado à noite, nada escapa às lentes da câmera. ;Monto quase um diário, num exercício para olho que é muito bom. Roubar umas imagens, de certa maneira, é o que tem me mantido meio vivo, entre as produções dos filmes;, avalia.
Sem investir numa narrativa clássica ; ;meus filmes seguem o slow motion;, brinca ;, Karim A;nouz foi convocado para contribuir com um dos fragmentos do filme Desassossego (comandado por Felipe Bragança), mais uma vez, destilando a veia experimental. Com amplo respaldo teórico, ele (mestrado em cinema, pela Universidade de Nova York) viu a homenagem, na Mostra de Tiradentes, como um bom recuo para interagir com depuração analítica dos próprios longas. ;Nunca, como autor, defino deliberadamente que conceitos vou reger num filme;, explica.
Nem retrocesso, nem nostalgia transparecem na autocrítica cinematográfica. ;Em vez da referência a cineastas que admiro, como Michelangelo Antonioni e Fassbinder, prefiro pesquisar quem são os cineastas do momento. Quero estar ciente dos filmes do nosso tempo, com as narrativas contemporâneas pós-discursiva e pós-romance do século 19;, enfatiza. Despontam, daí, interesses pelo austríaco Revanche (;muito impressionante;), pela construção de 35 doses de rum (de Claire Denis) e pelo filipino Kinatay, ;no qual você intui o que está acontecendo ;, sem você ver, você sente uma superviolência, oposta à narrativa do Quentin Tarantino, por exemplo;. A reciclagem cinematográfica se dá até com filmes, dois por dia, ;quando tenho tempo;, conta.
O repórter viajou a convite da organização do festival