postado em 31/01/2010 11:35
Quando Guerra nas estrelas inaugurou um império de fantasia, em maio de 1977, James Cameron enfrentava incertezas muito reais: aos 22 anos de idade, o canadense - já adaptado ao clima calorento de Fullerton, Califórnia - não sabia o que fazer do próprio futuro. As equações matemáticas, que tanto fascinavam o menino franzino e nerd, deixavam de parecer sedutoras. Dirigia caminhões, fazia bicos. Tinha jeito para física e gosto por filosofia, que cursou na Universidade de Toronto. Mas foi Luke Skywalker, o guerreiro espacial, quem tomou o rapaz pelo braço e apontou o caminho iluminado: naquela sessão, nasceu o cineasta.
Mais de 30 anos depois, o fã de George Lucas superou as fórmulas do mestre. A ficção científica Avatar - um espetáculo visual que, discípulo de Guerra nas estrelas, faturou US$ 1,878 bilhão em todo o mundo - fez de Cameron o homem mais poderoso no planeta do entretenimento. Há seis semanas em cartaz, a superprodução já está no topo da lista de maiores bilheterias de todos os tempos (em valores absolutos, sem atualizações de acordo com a inflação). O fenômeno é acompanhado por outro arrasa-quarteirão com a grife do diretor: Titanic (1997), com US$ 1,843 bilhão. O terceiro colocado, O senhor dos anéis - O retorno do rei (2003), mal ameaça os campeões, com US$ 1,119 bilhão arrecadado.
Não há precedentes para a arrancada de Avatar. Especialistas mais desconfiados se desdobram para entender o segredo de Pandora, ambiente coloridíssimo onde a aventura é narrada. Se a receita dos lucros permanece enigmática, a influência de alguns fatores são indiscutíveis: lançado em janeiro, temporada morna em estreias, o longa-metragem se beneficiou do preço alto dos ingressos para sessões em 3D. Não menos importante, foi catapultado por uma campanha inteligente de marketing, que ressaltou o caráter "revolucionário" do projeto. Não há como viver a experiência Avatar em CDs piratas ou na tela do computador. Como aconteceu em 1977, Cameron transformou as salas de cinema em reluzentes parques de diversão.
"O público quer bom entretenimento, e é isso que devemos a ele", comentou o diretor, em entrevista à CNN. "Quando as pessoas assistem a um filme poderoso, elas querem dividir essas sensações com os amigos, querem ver novamente. Foi assim que Titanic funcionou", afirmou. Desde O exterminador do futuro (1984), o primeiro projeto pessoal da carreira (antes, havia substituído o diretor do trash Piranhas II, de 1981), ele parece instigado por produções que aliam alta tecnologia com roteiros à moda antiga, de fácil assimilação. Juntos, seus oito longas-metragens arrecadaram uma fortuna de aproximados US$ 5 bilhões.
À moda antiga
Quando anunciou o início das filmagens de Avatar, em 2005, Cameron descreveu o filme como um misto de fábula futurista com a atmosfera dos livros de aventura que lia quando criança. A trama, sobre a complicada interação entre os humanos e os seres que habitam Pandora, toma emprestado ideias de filmes como Brincando nos campos do senhor, de Hector Babenco, e Dança com lobos, de Kevin Costner. Deveria ter sido feito logo depois de Titanic - mas a tecnologia ainda não ajudava. "É a ficção científica mais evocativa e emocionante desde Guerra nas estrelas", sentenciou Steven Spielberg, cujo total de 24 filmes soma US$ 8,5 bilhões.
Cientista sentimental, Cameron busca o equilíbrio entre técnica e emoção. Quando não está envolvido com inventos cinematográficos, integra a equipe da Nasa empenhada em viagens a Marte. É reconhecido como criador de equipamentos que facilitam a filmagem de cenas em 3D (com câmeras mais leves) e tomadas subaquáticas. Um perfeccionista - com um quê turrão. Na produção de Aliens: o resgate (1986), o autor inexperiente era tratado com descrédito pela equipe. Talvez por isso, reza a lenda hollywoodiana, ele tenha aprendido a encarnar o tirano. Divorciado quatro vezes (inclusive da diretora Kathryn Bigelow, de Guerra ao terror, e da atriz Linda Hamilton), deixa sempre a impressão de que está prestes a trocar a película pela mecatrônica.
O gênio obsessivo do cineasta combina com uma época de superproduções custosas, construídas com o rigor de arranha-céus. Talvez por isso Spielberg apareça apenas na 13ª posição entre os maiores faturamentos da história, com Jurassic Park (US$ 914 milhões). Ao contrário do criador de E.T., o alquimista de Avatar rejeita a pecha de Peter Pan. Faz filmes que, romantismo à parte, vislumbram cenários ultraviolentos (O exterminador do futuro), relembram tragédias reais (Titanic) e encenam guerras sangrentas (Aliens). No início da carreira, chegou a escrever a primeira versão do roteiro de Rambo 2. "Sou o rei do mundo", festejou, ao vencer 11 Oscar por Titanic.
Sem saudosismo, o diretor chega aos 55 anos como o guerrilheiro irrequieto da revolução do 3D. Antes de Avatar, nenhum outro filme havia integrado animação e atores com tamanha precisão. Bem diferente daquele rapaz indeciso de 1977, Cameron sabe exatamente o que quer: cotado para devorar indicações ao Oscar 2010, que serão anunciadas nesta terça-feira, maquina a continuação de Avatar e planeja a adaptação do mangá Battle angel. O pai de Guerra nas estrelas encontrou um sucessor. Mas, para George Lucas, ainda há esperança: quando os valores da bilheteria norte-americana são corrigidos em relação à inflação, a saga espacial ainda aparece cravada no segundo lugar (atrás de E o vento levou...), com US$ 1,3 bilhão. E Avatar? Na 23ª posição - mas subindo feito foguete.
AVATARM
(EUA, 2009, 150min, não recomendado para menores de 12 anos). De James Cameron. Com Sam Worthington, Zoe Saldana e Sigourney Weaver. Confira salas e horários no Roteiro.
Receita de ouro
Dez ingredientes da fórmula infalível de James Cameron
Tecnologia
Do vilão de metal líquido em O exterminador do futuro 2 aos avanços em 3D de Avatar, os sucessos do diretor são acompanhados de revoluções técnicas no ramo dos efeitos visuais.
Ambição
Que outro cineasta arriscaria reconstruir o transatlântico Titanic num épico de três horas de duração? Sem dar trela para os pessimistas, Cameron sempre apostou em sonhos quase impossíveis.
Ficção científica
O gênero, que alia ciência e emoção, é a fortaleza do diretor desde O exterminador do futuro, de 1984. Na carreira, também se enveredou no horror (Piranhas II) comédia (True lies) e melodrama (Titanic).
Mulheres fortes
As heroínas fortes conduzem a ação em Aliens - O resgate (Sigourney Weaver), O exterminador do futuro (Linda Hamilton), Titanic (Kate Winslet) e Avatar (Zoe Saldana).
Gastança
Cameron quebra recordes também de orçamento. Oficialmente, Avatar custou US$ 237 milhões. Star Trek (2009), para efeitos de comparação, arrecadou US$ 255 milhões nos EUA.
Romantismo
As fitas de ação faturaram milhões, mas Cameron só descobriu a trilha para o bilhão quando narrou as grandiosas love stories de Jack e Rose (em Titanic) e Jake e Neytiri (em Avatar).
Violência
Sem medo de espantar as crianças da sala de projeção, projetos como O exterminador do futuro e Aliens - O resgate flertam com a brutalidade. Menos brutos, Titanic e Avatar amenizam o tiroteio.
Guerra
Além da referência à Guerra do Iraque em Avatar, o cineasta filmou o embate entre homens e máquinas em O exterminador do futuro e fez referências cômicas ao terrorismo em True lies.
Continuações
Tal como George Lucas, o diretor entende o apelo comercial de sequências. Fez Aliens - O resgate, O exterminador do futuro 2 e imaginou Avatar como uma trilogia.
Espetáculo
Com Tubarão (de Spielberg) e Guerra nas estrelas, Hollywood descobriu a força dos filmes-evento. Cameron honra a tradição ao transformar salas de cinema em parques de diversão.
As maiores bilheterias do cineasta
1. Avatar (2009) - US$ 1,878 bilhão
2. Titanic (1997) - US$ 1,843 bilhão
3. O exterminador do futuro 2: o julgamento final (1991) - US$ 519 milhões
4. True lies (1994) - US$ 378 milhões
5. Aliens - O resgate (1986) - US$ 131 milhões
Fonte: Box Office Mojo (em valores absolutos, sem correção de acordo com a inflação)