postado em 31/01/2010 12:50
Marcar uma entrevista com o grafiteiro Onio é um desafio. Com sorte, o primeiro contato por telefone pode acontecer enquanto ele trabalha em casa. Ou o artista pode surpreender, como foi o caso desta reportagem, e conversar pelo celular durante 15 minutos enquanto está no Eixão com o spray em mãos. Interrupções são possíveis, principalmente se algum desconhecido se aproxima do material - latas e pincéis - ou quando tentam dissuadi-lo a parar a obra. "Nunca peço autorização. Tem gente que não gosta, já o tacha de pichador por causa do spray. Mas isso é raro, procuro melhorar espaços que estão degradados e muitos entendem", conta.
Adriano Cinelli (nome de batismo) já é reconhecido pelos seu trabalho nos muros, que colore com spray, rolos de espuma e tinta à base de água. Os desenhos, constituídos por elementos abstratos pintados de forma espontânea, estão em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Europa. Ainda colhendo frutos de uma viagem a Roterdã, na Holanda, onde trabalhou com nove brasileiros em interferências artísticas nas paredes da cidade, Onio passou as duas últimas semanas concentrado em um muro da Escola Classe nº 12, em Taguatinga, finalizado na terça-feira. "Acho importante quando as autoridades percebem a mudança que o grafite pode causar no espaço público. Sempre pintei com esse objetivo e isso tem sido levado a sério", ressaltou sobre o projeto, que faz parte da revitalização da praça da QNH 7.
A parede de 60 metros de largura por três de altura é um dos maiores espaços já grafitados pelo artista. Longe do corre-corre underground, Onio pôde pintar com calma. "O desenho é cheio de detalhes e demora para ser feito. Foram cinco dias desafiadores, trabalhando das 15h às 20h", afirma, à vontade, de bermuda e chinelos, em frente ao trabalho. Para terminar em tempo hábil, Onio convidou o amigo Paulo Emílio. Mas nada foi planejado. A dupla levou para a praça todo o material necessário e um som potente, complementando o cenário com músicas nacionais, do hip-hop ao rock. Nas paredes, o resultado ilustrou em cores o caos urbano alegre que, a uma quadra dali, se tornava real no centro de Taguatinga.
Das ruas para as galerias
Nascido e criado no Plano Piloto, Adriano Cinelli considera musas as asas Sul e Norte, onde, há 10 anos, aproveita espaços comerciais, becos, tesourinhas e bancas de revista como plataforma para arte. As palavras Onio e peixe, apelido e signo de Adriano, são marcas registradas. "Letras na parede configuram o grafite tradicional. O nome serve de motivo, mas você abstrai, faz um desenho elaborado no qual a letra mal consegue ser vista", explica.
Onio também passa períodos entre quatro paredes. Há cinco anos, o grafiteiro registra seu traço caótico em telas de madeira. Com o espaço reduzido e as vantagens gráficas do pincel, mais fino que o spray, ele desenvolveu detalhes nos desenhos que o levaram ao traço atual, despojado e abstrato, que usou no muro de Taguatinga. "Acaba virando assunto de conversa. Muita gente passou pela parede e me perguntou o que tinha no desenho. Encontraram uma saia onde eu não vi, mas tudo bem, pode ser uma saia."
Fugindo dos rótulos, o artista se mantém, mesmo quando convidado a expor em galerias ou pintar sob encomenda, adepto do freestyle. A busca pelo estilo próprio é constante, inspirado na cultura dos skatistas e grafiteiros. "Fui muito influenciado pelo hip-hop no começo, mas hoje me sinto totalmente desvinculado. Tudo que vejo vira influência nova e pode aparecer nos próximos desenhos", comenta.
Recentemente, a arte de Onio transpôs as paredes e a madeira. Foi parar nos calçados. Em novembro, ele venceu o concurso Art Collabs, da Converse, e batizará um dos tênis da marca. Mas, se grafite serve tanto para denunciar o descaso de pontos abandonados da cidade quanto para a valorização estética, Onio se enfurece com os "street artistas" de cavalete. "Tem gente que nunca pintou nada na rua, são artistas plásticos que usam a linguagem urbana para fazer trabalho de galeria. Esquecem que essa cultura nasce da rua de forma espontânea. Já vi exposições sobre street art onde raros trabalhos selecionados tinham origem na rua."