postado em 04/02/2010 10:49
Há algo errado quando, prestes a ser liberado da internação, um jovem negro diagnosticado com esquizofrenia enxerga uma porção de laranjas na cor azul? No espetáculo Laranja azul, que chega a Brasília sob a direção de Guilherme Leme, a resposta pode ser sim e não. A peça, escrita pelo dramaturgo britânico Joe Penhall para discutir desde políticas públicas ao racismo, estreia hoje e fica até 28 de fevereiro em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil.Simulando uma sala de hospital público londrino, onde se passa a história, o cenário montado no Teatro II do CCBB é dinâmico. Circundados pelo público como em uma arena, os médicos Foster (Rogério Froes) e Greg (Pedro Brício) debatem a liberação do jovem paciente Cris. ;Não existe marcação na plateia. Dependendo do lugar em que sentar, o espectador pode ser influenciado a aceitar o argumento de um ou outro médico. Eu mesmo repenso isso muitas vezes;, acredita o ator Rocco Pitanga, que interpreta Cris.
A discussão vai além da doença mental. Foster é um psiquiatra veterano, chefe do departamento, que insiste na liberação. Entre os motivos, figuram argumentos políticos, falta de leitos e preconceito racial. Já Greg, um jovem e idealista residente, insiste que a afirmação sobre as laranjas é evidência da psicose do paciente, que acredita ser filho de um ditador africano. ;A peça se passa num hospital público, mas é um jogo de poder que acontece em qualquer instituição. Ele está desafiando a autoridade do supervisor, colocando em jogo as normas vigentes e indo contra as leis do país que favorecem a liberdade do paciente;, explica o diretor e ator(1) Guilherme Leme.
Nascido em Londres e filho de sul-africanos, Joe Penhall é reconhecido como um promissor dramaturgo europeu. Laranja azul é seu mais premiado trabalho, que arrebatou, no ano de estreia, prêmios de melhor espetáculo como o Evening Standard Award e o Critic/`s Circle Award e ganhou adaptações nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Espanha, Suécia e Portugal.
Para não destoar da ideia original, a versão brasileira da peça de Joe Penhall tem poucas mudanças. ;Enxugamos o espetáculo, retiramos algumas coisas que só fariam sentido em terras inglesas. Entretanto, muito se mantém por ser pertinente ao Brasil. Existem os mesmos entraves na saúde pública, faltam leitos em hospitais e há o problema de cunho universal que é a forma de encarar a esquizofrenia, seja em relação aos direitos do doente ou aos deveres do Estado;, acredita o diretor.
Com o texto em mãos desde 2006, escolhido de uma leva de espetáculos contemporâneos recomendados pelo amigo e dramaturgo Felipe Hirsch, Guilherme Leme reuniu os atores em 2008 para os ensaios. Pesquisas de campo complementaram as reuniões com o objetivo de enriquecer a consciência crítica do elenco. ;A minha visão de diretor é essa, gosto de experimentar e questionar. Para mim, a gente usa o talento para atuar, mas tentando sempre coisas novas até atingir um certo nível de desconforto com o tema.; Para isso, o quarteto visitou instituições de apoio a doentes mentais e pesquisou sobre as políticas psiquiátricas no Brasil. ;Foi o maior desafio que já enfrentei em palco, porque é um universo que não é meu. Estivemos em casas de apoio psicossocial e conhecemos, além das patologias, o dia a dia e o comportamento dos pacientes;, relembra Rocco Pitanga.
Dois em um
Guilherme Leme se reveza entre os ofícios de atuação e direção desde 2003, quando estreou como diretor no espetáculo Adoráveis sem vergonhas. Atualmente, ele ensaia para Rock Antígona, adaptação do texto clássico de Sófocles que estreia no fim do mês em São Paulo, e se prepara para dirigir a atriz Ângela Vieira na peça O matador de santas, de Jô Bilac.
LARANJA AZUL
Até 28 de fevereiro, de quinta-feira a domingo, no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil. Com Rocco Pitanga, Rogério Froes e Pedro Brício. Direção de Guilherme Leme. Ingressos: R$ 15 e R$ 7,50 (meia). Não recomendado para menores de 12 anos.