Diversão e Arte

Gaita ganha terreno fértil no DF e projeta tanto professores quanto músicos

postado em 10/02/2010 08:19
Engels Espíritos era recém-alfabetizado quando ouviu falar da gaita pela primeira vez. "A professora nos levou até a biblioteca. Cada criança deveria escolher um livro e peguei um com a história de um macaco que tocava gaita. Aquilo me marcou muito", lembra hoje, aos 37 anos, o músico e professor do instrumento. Ainda menino, ele ouviu no rádio uma música com gaita e ficou fascinado. Mas foi aos 15 anos que Engels comprou o primeiro instrumento e decidiu aprender a tocar por conta própria. Nem poderia fazer diferente: não havia professores em Brasília naquela época e até encontrar uma gaita à venda era complicado. Mal sabia Engels que a iniciativa e a perseverança acabariam por se tornar um divisor de águas na música da cidade. O gaitista foi pioneiro em Brasília como performer e professor. Formou incontáveis músicos. "Antes de ir para o Rio estudar com os grandes de lá, Gabriel Grossi foi meu aluno. Pablo Fagundes foi aluno de um aluno meu", comenta citando dois dos mais destacados gaitistas surgidos na capital federal. O cenário da gaita na cidade não se limita a esses nomes. Nem exclusivamente a músicos nascidos na cidade. Paranaense, Caetano Rojas, 27 anos, saiu e voltou de Brasília algumas vezes, mas se fixou na capital em 2000. O carioca Rodrigo Jaguaribe, 36, mora aqui há dois anos, e o fluminense Cisso Cerqueira, 43, desde 1993. "Quando cheguei aqui, espalhei anúncios de aula de gaita e tive uma resposta muito grande. Sou um dos pioneiros com o Engels", conta Cisso. Atualmente, ele leciona para aproximadamente 90 alunos, 60 na Escola de Música de Brasília e 30 particulares. Em comum, esses gaitistas têm mais que o amor pelo instrumento. Caetano, Engels e Cisso vivem exclusivamente do trabalho com a gaita. Também os une o fato de, em suas produções, distanciarem-se daquilo que se imagina quando o assunto é gaita. Não que eles reneguem o blues, o folk ou o rock, mas adicionam outros temperos às suas misturas, conseguindo resultados inovadores e originais. "Nas minhas músicas, tento sempre renovar de alguma forma o estilo que estou praticando. Tento fazer misturas que nem sempre são fáceis, como samba com blues. Quero que o ouvinte sinta uma coisa diferente", afirma Caetano Rojas. Integrante do quarteto Kiaulles, o músico desenvolve um trabalho em três frentes: blues, música brasileira e celta (o nome do grupo significa músicos em gaélico). Ex-aluno de Engels Espíritos e estudante de música na Universidade de Brasília, Caetano sempre gostou de música celta e, antes do advento da internet (que lhe permitiu pesquisar o gênero mais profundamente), tirava de ouvido canções da trilha de filmes como Coração valente e Titanic. "Atualmente, tenho trabalhado mais a música celta porque ela é pouco conhecida no Brasil. As pessoas mostram uma grande receptividade ao ouvi-la, percebem que podem dançar." "A cabeça dos alunos está mais aberta hoje em dia", acredita Cisso Cerqueira. "Eles sabem que podem tocar qualquer tipo de música com a gaita, não é só blues ou rock." Autodidata até 2000, o gaitista recorreu a mestres como Flávio Guimarães, Zé da Gaita, Rildo Hora e Sérgio Duarte para aperfeiçoar seus conhecimentos. Cisso diz que atualmente é mais professor do que performer, mas desenvolve um trabalho autoral com influências de blues, jazz e um pouco de música brasileira. Rodrigo Jaguaribe também teve contato com diversas feras da gaita quando estudava o instrumento. "Comecei com o blues. Depois de uns bons anos, senti a necessidade de expandir, alcançar novos horizontes. A consequência disso é que eu descobri o choro, uma escola maravilhosa. O choro faz você se desenvolver tecnicamente. É uma música antiga, mas que projeta o futuro", comenta Jaguaribe, membro do Três no Choro. A fusão de ritmos e linguagens sempre foi a praia de Engels - como pode ser comprovado em seus discos Harps invasion (2003) e Faces da gaita (2006), nos quais convivem blues, rock, funk e MPB. "Mas o meu terceiro será dedicado à música brasileira", avisa. Há anos, o músico milita pela união e pela promoção dos gaitistas de Brasília. Criado por ele, o festival Gaitistas do Cerrado (que neste ano deve ser realizado no segundo semestre) é um evento que serve como vitrine dos talentos da cidade. "Quero mostrar que Brasília tem uma cena forte e os gaitistas daqui não devem nada para os de outras cidades do Brasil, nem de outros países", defende Engels. INSTRUMENTO MILENAR Conhecido também como gaita de boca e harmônica, o instrumento surgiu na China há mais de 4 mil anos e passou por diversas modificações (muitas delas depois de ter sido levado para a Europa) até chegar às suas configurações atuais. Os tipos mais populares de gaita são a diatônica (usada principalmente no blues) e a cromática (uma evolução da diatônica). Na virada do século 19 para o 20, a gaita se tornou muito popular na Alemanha, na França, na Itália e nos Estados Unidos. No Brasil, o instrumento começou a ser fabricado em 1929. Marginalizada no passado, a gaita se mostrou um instrumento plural e vem conseguindo cada vez mais adeptos.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação