postado em 18/02/2010 09:03
Um feixe de luz corta o ambiente escuro e projeta figuras em superfÃcie próxima. Longe de provocar um transe coletivo de atenção à imagem, o efeito causado é uma experiência sensorial comum ao público que bate ponto em boates e casas noturnas. O que pouca gente sabe é que, por trás das figuras que dançam na parede em sintonia com a música do DJ, existe um bom tempo dedicado à pesquisa.
O trabalho do VJ (sigla em inglês para video jockey) começa na formação de vastos bancos de imagens. Vale quase tudo. Trechos de filmes, videoclipes, gravações feitas pelos próprios artistas ou artes gráficas. Em alguns casos, são utilizadas imagens ao vivo do evento. Munido de um computador com um software especÃfico, a missão do VJ é projetar imagens em tempo real e em sincronia com a música executada por DJs ou artistas que se apresentam ao vivo.
"Nós trabalhamos com estÃmulos, sensações que vão além da música. É a criação de um clima. Pode ter a intenção de deixar o público mais eufórico, mas, à s vezes, mais introspectivo. Depende da proposta", explica Caio Luna, o VJ Luna, residente da festa Cansei de ser cult, todas as quintas-feiras no Velvet Pub (102 Norte). Na maioria das vezes, o VJ não tem conhecimento prévio de que músicas serão executadas. Então, é preciso saber se virar. "Acho que o VJ precisa ter noção musical mais do que conhecer o set list do DJ. Ter noções de BPMs (batidas por minuto da música eletrônica) ou do estilo musical são itens essenciais", enumera Renato Reyzeck, o VJ Reyzeck, residente da festa 5uinto, todas as quintas-feiras, no Clube da Asceb (904 Sul).
Bruno Caramori ou VJ Bruno Boca se lembra, sem saudades, do tempo em que para fazer uma projeção era necessário sair de casa carregando todo o equipamento, entre obsoletas mesas de edição e projetores, dentro de um carrinho de supermercado. Há 10 anos, Caramori, Caio Luna e Emerson Queiroz (VJ Ermes, morador de Goiânia) formam o coletivo Desconstrução. Os integrantes do grupo se consideram os primeiros VJs de BrasÃlia e têm no currÃculo participações nos maiores eventos de música eletrônica do paÃs como Skol Beats, em São Paulo, e Espaço Paralelo, na Bahia.
Há algum tempo, os integrantes do Desconstrução vêm se especializando em subverter expectativas. Seguindo uma nova tendência, eles trabalham com projeções fortemente aliadas à arquitetura do evento. Foi assim na festa Celebrar BrasÃlia, ano passado, em que a abóbada do Museu da República na Esplanada foi transformada numa imensa tela de projeção. "O lance do Desconstrução é procurar novos formatos. Quebrar essa caretice da tela quadrada", destaca Caramori. "Dá mais trabalho
porque é necessário fazer ums pesquisa prévia nesses locais. Quando temos a planta do edifÃcio, fica mais fácil para planejar o trabalho." Objetos menores, como um quadro, um ventilador ou linhas na parede, também podem ser usados.
Eles não são os únicos a trabalhar com pesquisa. O artista plástico Alexandre Rangel, 35 anos, conhecido como VJ Xorume, aproveitou os conhecimentos de programação em informática, adquiridos quando trabalhava como montador de filmes publicitários, para criar o próprio software de trabalho. O Quase Cinema, projeto de graduação em artes plásticas na Universidade de BrasÃlia (UnB), disponibilizado gratuitamente pelo site www.quasecinema.org, é uma ferramenta em constante atualização. "Desde a minha primeira projeção, eu usava uma versão incipiente do Quase Cinema. Nunca usei softwares de terceiros. Sempre experimentando, diagnosticando problemas e voltando para a mesa de trabalho", explica Rangel.
Experiência
Uma das atualizações mais recentes possibilita o uso do corpo do performer para animar as imagens na tela por meio da vestimenta do videogame interativo Wii. A experiência rendeu a instalação Espaço-Nave, feita no Museu da República, e o convite para participar do Liquid Borderland (série de workshops internacionais realizados em Aalborg, na Dinamarca), onde esteve em setembro de 2009. "Queria tirar o VJ daquela letargia em que se movimenta apenas os dedos no lap top", explica Rangel.
A convivência com VJs de outros paÃses rendeu a repetição do experimento de pintura com luz, feito pelo artista plástico e fotógrafo norte-americano Man Ray, na década de 1920. Desta vez, porém, os efeitos criados com movimentos de uma fonte de luz (uma lanterna ou algo parecido na frente da tela do computador podem ser vistos em tempo real e também são usados nas projeções de Rangel).
"Nós somos sempre os primeiros a chegar e os últimos a sair", concordam todos os VJs quando o assunto é a instalação da parafernália necessária para a exibição. É de consenso geral também que a profissão ainda padece de certa ignorância. "Existem três visões diferentes nesse meio. A do VJ, do DJ e do produtor dos eventos. Geralmente, o produtor pensa muito mais em garantir a música para todo mundo dançar", analisa Luna. "Estamos num trabalho de valorização da profissão. Não é qualquer um que pode fazer isso e nosso trabalho não se compara à exibição de um DVD", defende Renato Reyzek.
Como se transformar em VJ
# Todos os VJs concordam que algum tipo de formação técnica em artes visuais é importante. Um bom começo seria um curso de edição não linear oferecido por escolas de vÃdeo;
# Frequentar o fórum de discussão na internet VJBR em
http://br.groups.yahoo.com/group/vjbr/
Ele é o principal meio de troca de informações para VJs;
# Buscar referências. O cineasta francês Michel Gondry, famoso pela direção de videoclipes como Star guitar, do Chemical Brothers, e mirabolantes vÃdeos da islandesa Björk foram citados por todos. No cinema, também foram lembrados os vanguardistas Maya Deren, Hans Richter e até o baiano Glauber Rocha. Na música é bom dar uma olhada na produção do grupo alemão Kraftwerk;
# O VJ Alexandre Rangel mantém o projeto de pesquisa e oficina de poesia visual Quase-Cinema Lab em parceria com a Biblioteca Nacional de BrasÃlia. É bom observar os avisos de abertura dos cursos no site www.quasecinema.org.