Diversão e Arte

Crítico e ensaísta Italo Moriconi resgata escritores dos anos 1970

José Carlos Vieira
postado em 19/02/2010 08:15 / atualizado em 14/10/2020 12:05

Destino: Poesia Autores: Ana Cristina Cesar, Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto e Waly Salomão. Organizador: Italo Moriconi. Editora José Olympio. 160 páginas. Preço: R$ 28"É tão estranho, os bons morrem jovens", cantava Renato Russo no início dos anos 1980. Assim parece ser com os poetas Ana Cristina Cesar, Cacaso, Paulo Leminski, Torquato Neto e Waly Salomão (só ele viveu um pouco mais). Esses cinco anjos benditos da poesia dos anos 1970 estão reunidos agora em livro organizado pelo crítico, ensaísta e editor Italo Moriconi. Em pleno período de chumbo, na fase mais sangrenta da ditadura de Médici e Cia., a geração da curtição e do desbunde, dos poetas marginais, subvertia o cotidiano com seus versos mimeografados, pintados, fotografados, grafitados.... Como esta pedrada de Cacaso no seminal poema Jogos florais: "Ficou moderno o Brasil/ ficou moderno o milagre:/ a água já não vira vinho,/ vira direto vinagre". Uma época em que a anárquica frase "mais vale viver 100 anos em 10, que 10 anos em 100" era repetida feito mantra. Muitos se perderam no caminho, até por decisão própria, como Ana C., que preferiu deixar o mundo voando pela janela, ou Torquato, que se trancou no banheiro e abriu o gás. A poesia desse período era a de camisa aberta, de vento no rosto e beijos na boca. Longe da caduca escola literária vigente, de gabinetes, saraus engravatados e gomalina burguesa no cabelo. Era a poesia da praia, dos encontros da turma na mesa do bar. Do poema e da música, da música e do poema. [SAIBAMAIS]Na apresentação do livro Destino: Poesia, Moriconi carimba: "Pela primeira vez na história da poesia literária brasileira, e quiçá mundial, um novo movimento inspirou-se não primordialmente em ícones literários do passado e sim na palavra cantada de seu próprio tempo". Como um ourives pós-moderno, ele selecionou poemas desses cinco escritores tão distintos, porém parecidos no olhar diante de um mundo insensível e quadrado, cada vez mais desumano... um "desmundo". ENTREVISTA Italo Moriconi Por que poetas como Ana Cristina Cesar, Paulo Leminski, Cacaso, Torquato Neto e Waly Salomão não são estudados a fundo nas universidades e nas escolas de ensino médio? Há preconceito? Desconhecimento? Não se pode dizer que as obras desses poetas circulem pouco, principalmente Leminski, que é um poeta bastante popular entre jovens e mesmo professores. Ana Cristina também é poeta muito cultuada, mas ela é isso mesmo, uma poeta mais para o cult que para o popular. Em algumas universidades alguns desses poetas são estudados, nem que seja no contexto do Tropicalismo e da contracultura. A poesia de Waly ainda é muito alheia ao universo escolar. É difícil para o sistema de ensino absorver as novidades literárias na velocidade que seja desejável. Mas é claro que a geração 70 não é tanta novidade assim... Todos esses cinco poetas, com seus temas e linguagens coloquiais, enfrentaram uma barra pesada (ditadura, descaso de editoras, etc.) para mostrar seus trabalhos. Hoje em dia é mais fácil ser poeta? Sim, hoje em dia está bem mais fácil mostrar o trabalho em poesia, devido à internet e à proliferação de pequenas editoras, além do barateamento das edições, que podem ser feitas até em xerox. Como foi o processo de escolha dos poetas e seus poemas para o livro? O que te marca nesses cinco escritores? Todos foram muito marcantes para mim, mas é preciso dar o crédito a quem teve a ideia da antologia: Maria Amelia Melo, a editora e minha amiga de longa data, desde os tempos dos anos 1970 (eu e ela somos exatamente daquela geração e fomos companheiros de estrada desde os tempos do suplemento da Tribuna da Imprensa). Ela teve a ideia de juntar num único volume os poetas de nossa geração que já partiram. Ela me propôs que fizesse uma nova escolha de poemas deles. Numa conversa com o poeta Thiago de Mello, ele me disse que a poesia está saindo do cotidiano das pessoas. Segundo ele, porque não dá lucro. As editoras só olham para os best-sellers. Você concorda? Um pouco. Mas poesia nunca foi gênero de grande vendagem. Existe um tipo de poesia mais vendável, existem os grandes poetas que vendem muito bem, mas há um núcleo de poesia mais essencial - não necessariamente melhor - que é meio secreto, é uma relação meio intimista entre o poeta e seu leitor. Existe uma poesia pública, de valor, mas há a poesia discreta, que vende pouco, e que só é totalmente desvendada a posteriori, depois da morte do poeta ou da poeta. Questão de destino. Com exceção de Ana C., todos os outros poetas nadaram na piscina da música popular brasileira - na época, uma tendência. Existem poetas-letristas hoje em dia? Quem você destacaria? A música popular brasileira tem grandes poetas e eu destacaria alguns letristas do hip-hop de que gosto muito, como B Negão e Black Alien. Na geração dos anos 1980, tivemos Arnaldo Antunes e Antonio Cicero, que é também um grande referencial contemporâneo, apesar de agora só se dedicar à "poesia de livro", como a chamava Waly.

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