postado em 20/02/2010 11:05
Brasília foi elogiada como reduto de artistas e caldeirão cultural no samba-enredo da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, terceira colocada do carnaval carioca. Já na folia de rua da capital federal, as marchinhas descreviam a cidade como berço de crise política. Se separados, os temas opõem lados positivo e negativo de Brasília, juntos serviram de incentivo para a elaboração do Auto do pesadelo de Dom Bosco, ópera popular elaborada pelo maestro Jorge Antunes, que estreia hoje, em apresentação gratuita, na Praça Ari Para-Raios, no Conic.O espetáculo representa um julgamento popular de 14 criminosos de uma comunidade medieval. Os acusados se revezam em um estrado de 40 centímetros de altura, onde recitam sua defesa. Cerca de 40 cantores participam do Coro do Povo, e, espalhados entre o público, rebatem condenações: fogueira para a bruxa, prisão e trabalhos forçados para os outros acusados.
Referências à crise política candanga não faltam, diluídas no texto e nos figurinos, incrementados com xerox de dinheiro. O tom de protesto transpareceu na formatação do espetáculo: realizado na rua e aberto a todo público, tem o objetivo de unir expectadores e artistas em um protesto cultural. ;Quando a apresentação é feita no chão, as pessoas rodeiam os cantores e se encorajam a participar. Assim, é possivel politizar sem deixar de lado a estética teatral;, conta o maestro, que optou por uma ópera de letras fáceis para seduzir o público.
A orquestra de 12 músicos, com flauta, clarinete, violões, guitarra elétrica e até uma tiorba, (1)revezam galhardas e motetos, gêneros musicais eruditos, com baião e repente nordestinos. A mistura de elementos medievais à cultura popular brasileira, muito utilizada pelo escritor Ariano Suassuna em seus autos, caiu como uma luva na ópera de rua de Jorge Antunes. ;As pessoas podem imaginar que as tradições europeias da Idade Média se distanciam do baião e do repente. Mas longe disso, essas manifestações têm ligação histórica e foram trazidas pelos portugueses. Brincantes e música tocada na rua, tão comuns na tradição nacional, são características da cultura medieval;, explica Jorge Antunes.
Na ópera-protesto de Jorge Antunes, as colaborações de artistas candangos estão em todas as partes. Músicos se ofereceram para integrar orquestra e coro, como o pianista Rênio Quintas e o compositor Eduardo Carvalho. O grupo de dança medieval Le Rois Dance completa a equipe e irá dançar entre o público nas duas apresentações agendadas. A próxima está prevista para 12 de março em frente à casa do professor, na Universidade de Brasília (UnB).
O trabalho de Jorge Antunes também animou Tagore Alegria, empresário da editora brasiliense Thesaurus, a imprimir o texto irreverente em formato de cordel. O livreto, com 32 páginas, chegará ao público de graça durante a apresentação de hoje. O exemplar é semelhante aos da série Livro de Rua, textos de autores clássicos e contemporâneos de língua portuguesa também distribuídos gratuitamente pela editora. O Auto do pesadelo de Dom Bosco conta com ilustrações do artista Jô Oliveira, que representou os personagens da ópera inspirado nos infernos caricaturais do pintor flamenco Hieronymus Bosch.
1 - Resgate do barroco
A tiorba é um alaúde adaptado para produzir sons mais graves. Tocado de forma dedilhada, possui 14 cordas e foi criado no século 16 especialmente para a Câmara Florentina, grupo italiano. Diogo Queiroz é o brasiliense que empunhará o instrumento durante o Auto do pesadelo de Dom Bosco.
AUTO DO PESADELO DE DOM BOSCO
Ópera em um ato, de Jorge Antunes. Hoje, às 16, na Praça Ary Para-Raios, Conic. Entrada franca. Classificação indicativa livre.
O número
70
Número de artistas que participam do espetáculo